terça-feira, junho 29, 2004

...

Este é caminho que sinto
É o Pergaminho que escrevo,
É o Palimpsesto triste, rude nos seus contornos esborratados,
de letras mal desenhadas com a tinta dos meus pensamentos.
É o texto que cresce até ser maior do que Eu na minha voz interior
onde os meus mundos se constroem delicados sem procurar uma ordem [Gramatical].
Este é o caminho que levo
É a marca na pele macia,
É aquele que procuro gravar com beleza de gravura
Epígrafe profunda, imperfeita, sobre este espirito enrijecido,
Eterna e esquecida pelos que há muito tempo não sabem Violar o meu dever intelectual.
E no meu corpo passado escorrem letras
Sem ser necessária a folha ou a força do pulso
Sem pronunciar uma ordem cronológica
Sobrepõem-se disfarçando a dualidade do invulgar
ilusão de beleza do meu sangue
Pelo meu corpo
Sem ser necessária a folha ou a força do pulso

Capitalismo Sentimental

Comprei uma boa duzia de pequenos potes de compotas especiais.
Dentro de cada um deles está conservado em calda licorosa com gelatina
Um sabor com as caracteristicas próprias de determinado sentimento.
Possuío desta forma, doze sentimentos adocicados disponiveis para barrar no pão.
Considero que fiz uma boa compra! Os dias que correm fazem-se apressados no meio da multidão
Até os relógios sofrem esgotamentos nervosos do tal atordoamento causado pelas horas e técnologias de ponta.
Hoje não há tempo para sentir! Vão sobrando menos linhas na Agenda Diária, trocando nesta gesta sabores por labores, labores sem sabores, sabores a labores, sabores só com labores, ou sabores mediante labores, labores, e labores, e produtividade dos labores. No fim não restam os tais tempos disponiveis para sabores.
Daí que considerei ser oportuno a compra desta pequena colecção.
Além disso, tempo é dinheiro, e a facilidade com que posso utilizar este meio de saborerar sentimentos
irá garantir uma redução de perda de minutos preciosos, assim como de maçadoras preocupações, rentabilizando e maximizando as capitalizações dentro da minha macro-economia.
Tudo através do simples gesto de barrar uma das doze geleias numa bela fatia de pão caseiro, ou mesmo numa tosta Belga. E para vos dizer a verdade, já estou a pensar numas torradinhas especiais.
Tenho a anunciar-vos, com grande alegria, que estão para sair brevemente uma gama de compotas especiais com sabores Orientais, compotas especiais "LIGHT", assim como compotas especiais para crianças com sintomas de nigligência dos 3 aos 10 anos de idade, sendo que o MacDonald's está receptivo a introduzir estes sabores nos seus gelados.
Eu já comprei! E Você?
Então porque espera?


TENHOEMIMDEUS

Meteram-me a mão nas algibeiras,
e aí não encontraram nada...
Enfiaram-me o punho no coração,
e aí não encontraram nada...
Abriram-me os pulmões, onde também
Não encontraram mesmo nada...
Esvaziaram-me os olhos, e no fundo
Não encontraram nada...

Sou feito de Nada
Tenho Nada para vender
Nada para Dar

O Mundo é um grande NÃO
O Tudo uma nulidade
O Todo uma negação

NÃo
...NÃO
NÃO...
Digo Não porque sou feito de Nada!

No sorver dos dias

Estranha forma de Sentir,
Transporto esta estranha forma de sentir
Carregando-a dentro de mim na solidão dos meus passos.

Que estranha forma de Viver,
Procuro a mais estranha forma de viver
Nas salas escuras onde sempre se partem os meus braços.


Que estranha forma de dizer,
Não me canso da vida enquanto esta morte me der prazer

quarta-feira, junho 23, 2004

Sim sim, eu conheço-te!

A felicidade de ter a tua mão ao alcance da minha
De ver no teu rosto conhecido as semelhanças que carrego no meu
A emoção de ouvir a tua voz conhecida sem ruídos telefónicos
Resulta num crepúsculo de palavras que nunca irás ler
Porque não nasceste tão curiosa como eu minha irmã
Mas venho aqui dizer que não estás nem diferente nem igual
Continuo a conhecer-te minha irmã e vejo em ti tantos rostos
Os rostos que guardei ao ver-te crescer
Tu que és minha filha
Minha mãe
Minha irmã
A minha primeira Amiga
Conheço-te tão bem quando procuro dentro meu Amor

....impressões digitais

Viajo por entre os filamentos das tuas impressões digitais.
Repito a frase porque sei o que digo!
Viajo por entre os filamentos das tuas impressões digitais marcadas no vidro do meu corpo feito transparente só para ti.
Queres ver mais? Respira sobre mim o teu sopro quente espalhando em indivisiveis e minusculas particulas sob a forma de vapor de água segurando em seguida a ponta da manga da tua camisola sobre o punho para que possas esfregar este meu vidro e pede três desejos quando um deles seja de desejos ilimitados e deixarei de ser espelho como sempre me assemelho e poderás ver o que está dentro de mim.
Encontrarás grandes círculos e ondulações das tuas impressões digitadas no coração do meu epicentro como linhas que suportam Planetas e Sóis flutuantes migalhas da minha vida estilhaçada pelos choques traumáticos das paragens cardíacas causadas pela tua simples forma de olhar.
Mergulha nos espelhos de água onde se agitam imagens tuas que guardei para sentires o calor com que as vivi mergulha nelas para te molhares no meu amor escondido por detrás de um frágil Vidro.
Parte-me esta estrutura silíciosa em fragmentos que por certo vão desaparecer nas marés de água libertando imagens dispersando-se em outras goticulas que em contacto com a tua respiração se vão recriar em novas gotas de vapor que formando uma nuvem quase invisível se deixarão cair sobre a surficie do teu corpo.
Então as goticulas de vapor vão viajar por entre os filamentos das tuas impressões digitais, por entre os filamentos de toda a tua pele, procurarão os teus póros para ficar pacientemente ansiosamente e ávidamente a aguardar que tu RESPIRES.


terça-feira, junho 22, 2004

Ssss...

Nos dias que correm
Aprendo a soletrar todas as palavras
Saboreio-lhes as sílabas e acentuações.
Caminhar para elas sem nunca ter partido
É o jogo que jogo, contra o vidro já partido,
É a terra que enterro, jardim de emoções,
è saber soletrar todas as palavras
Nos dias que correm

Procuro

Ergo-me da cadeira do sossego
Estendo os ruídos dos ERrres e EfeSs
Agito árvores que me pedem silêncio
shhhhhhhhhhhh...
E uma serpente suspira ao ouvido
SssssssssssssTu me usasses como uma palavra...

Se a maçã que mordo não fosse verde!?
Os meus dentes não sentiríam a sua seiva
A minha lingua não ficaria presa no sabor acre
As frases não sairíam entre dentes
Dir-te-ía palavras com as mãos,
Assim como em cada vez que te toco,
Quase gaguejando, como eu ando, Imbecil.
Não pela hesitação,
Não!
Muito menos por não saber o que dizer!
Eu quis alargar todas as letras
Rrasgando-as na minha garganta
Arranhando como quem escava
Mas não lhes coube o que te quero dar.
Volto soletrar palavra a palavra
Porque nos dias que correm, Tudo
me parece menor! E o quanto me Enerva
Pensar, Sempre a mesma frase, SEMPRE
...:

"Se tu soubesses"





Meditatio


When I carefully consider the curious habits of dogs
I am compelled to conclude
That man is the superior animal.

When I consider the curious habits of man
I confess, my friend, I am puzzled.


Ezra Pound

Nos recantos da Lua

To the Ocean now I fly,
And those happy climes that ly
Where day never shuts his eye,
Up in the broad fields of the sky

There I suck the liquid ayr
All amidst the Gardens fair
Of Hesperus, and his daughters three
That sing about the golden tree:
Along the crisped shades and bowres
Revels the spruce and jocond Spring,
The Graces, and the rosie-boosom'd Howres,
Thither all their bounties bring,
That there eternal Summer dwels,
And West winds, with musky wing

About the cedar'n alleys fling
Nard, and Cassia's balmy smels.
Iris there with humid bow,
Waters the odorous banks that blow
Flowers of more mingled hew
Then her purfl'd scarf can shew,
And drenches with Elysian dew
(List mortals, if your ears be true)
Beds of Hyacinth, and roses
Where young Adonis oft reposes,

Waxing well of his deep wound
In slumber soft, and on the ground
Sadly sits th' Assyrian Queen;
But far above in spangled sheen
Celestial Cupid her fam'd son advanc't,
Holds his dear Psyche sweet intranc't
After her wandring labours long,
Till free consent the gods among
Make her his eternal Bride,
And from her fair unspotted side

Two blissful twins are to be born,
Youth and Joy; so Jove hath sworn.
But now my task is smoothly don,
I can fly, or I can run
Quickly to the green earths end,
Where the bow'd welkin slow doth bend,
And from thence can soar as soon
To the corners of the Moon.
Mortals that would follow me,
Love vertue, she alone is free,

She can teach ye how to clime
Higher then the Spheary chime;
Or if Vertue feeble were,
Heav'n it self would stoop to her.

John Milton
Trecho retirado de "A MASK (Of the Shame)"

segunda-feira, junho 21, 2004

Anais Nin

"For an hour you were me, that is the other half of yourself. What you broke, burnt, and tore is still in my hands. I am the keeper of fragile things and I have kept of you what is indissoluble."

Rilke

Ranier Maria Rilke

"Everything is gestation and then birthing. To let each impression and each embryo of a feeling come to completion, entirely in itself, in the dark, in the unsayable, the unconscious, beyond the reach of one's own understanding, and with deep humility and patience to wait for the hour when a new clarity is born: this alone is what it means to live as an artist: in understanding as in creating.

In this there is no measuring with time, a year doesn't matter, and ten years are nothing. Being an artist means: not numbering and counting, but ripening like a tree, which doesn't force its sap, and stands confidently in the storms of spring, not afraid that afterward summer may not come. It does come. But it comes only to those who are patient, who are there as if eternity lay before them, so unconcernedly silent and vast. I learn it every day of my life, learn it with pain I am grateful for: patience is everything!"


Cara
Viareggio, (Itália)
23 Abril, 1903
Tradução: Stephen Mitchell

Fecho os olhos...




si asa um tivesse
pa voa na esse distancia
si um gazela um fosse
pa corre sem nem um cansera

anton ja na bo seio
um tava ba manche
e nunca mas ausencia
ta ser nos lema

ma so na pensamento
um ta viaja sem medo
nha liberdade um te'l
e so na nha sonho

na nha sonho mieforte
um tem bo protecao
um te so bo carinho
e bo sorriso

ai solidao to'me
sima sol sozim na ceu
so ta brilha ma ta cega
na se clarao
sem sabe pa onde lumia
pa onde bai
ai solidao e un sina...


Ausencia
(Cesaria Evora)

sábado, junho 19, 2004

Na Força dos Rios

Cavam leitos que alteram no lento passar dos tempos a face da paisagem por onde serpenteiam.
Inventam regiões ou mesmo Países, condicionam homens nos seus costumes, circunscrevem línguas.
Constroem Praias, Estuários, deslumbram-se ao erguerem surpreendentes Deltas
A força dos Rios inventou Barcos, contruíu Pontes, edificou Barragens.
Os Rios escrevem Textos, transportam Sonhos, barram Guerras, promovem Herois.
Fingem-se adormecidos e alteram toda a face da monotonia.
Assim se justifica, brevemente, o Fascinio que lhes tenho. Os Rios não têm pressa, sabem mais do que o Tempo, não se regulam pelas horas. Não desistem e continuam em marcha, sobrepondo-se a todos os obstáculos. São anjos que deslizam num pequeno sussurar cheio de vida, cintilando mesmo no meio da noite. E chegam sempre ao seu destino, a não ser que apareçam uns "Espanhois" a reclamarem o seu direito de anterioridade.
A força do Rio só se esbate na possessividade de um espaço governado, espaço este que existía anteriormente a qualquer "Espanhol".
E para quê? Para neles despejarem lixo, o resto das suas vidas apodrecidas. Esta é a forma de matar um Rio, esta é a forma de o poder entristecer, esta é a vingança capaz de barrar o seu caminho!

quarta-feira, junho 16, 2004

O Velho e o Gato

Certo dia, Estava um Velho muito Velho, e um Gato ainda pouco Gato, Jovenzito,
estavam ambos a jogar ás cartas.
Um deles estava prestes a perder Tudo
O Outro começava a habituar-se a Ganhar
Um, silêncioso Já tinha perdido quase Tudo
O Outro, estava Sempre a Miar

A Temp-Shtade e o Pára-Raios

Abotoadura de Carmin
Dez Lápis de Cera
Pára-raios devagarinho.

Velas de Rosmaninho,
Canelas desnudadas
Dez razões faladas
Uma fonte solitária
Mata-se-sede nascente.

O diabo crescente,
Uma lente que diminui
Suspiro que aumenta
Já a cerca não aguenta
Quebra-muros á cinzelada.

Enche-se de tudo o nada,
Folhas de rebuçado
Pó de arroz queimado
Dez colheres de xarope
Enquanto de tudo se entope
Nus-braços Da Madrugada.








terça-feira, junho 15, 2004

Monsieur Ali

GRAND MEDIUM - VOYANT

MONSIEUR ALI

Résoud tous vos probèmes même les cas désesperés: Désenvoûtement, amour, affection retrouvée, retour immédiat de la personne que vouz aimez, Spécialiste de voyance amoureuse.Reconnu comme l'un des meilleur voyant. Proctection contre les dangers, chance et succés au examens, concours, entreprise, commerce.
____________________________________________________

Travail Sérieux - Facilité de Paiement
REçoit tous les jours de 9h à 21h au:

131, rue des Poissoniers 75018 Paris (Bât.C2è Pte Gauche)
Métro: Ligne 4 et 12- Arrêt Mercadet- Poissonniers
TÉl: 01.42.58.20.10 ou 06.21.18.15.78

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Ne pas jetter sur la voie publique

segunda-feira, junho 14, 2004

Mais uma razão para continuar a Escrita(/História)

Many died daily or nightly in the public streets; of many others, who died at home, the departure was hardly observed by their neighbors, until the stench of their putrefying bodies carried the tidings; and what with their corpses and the corpses of others who died on every hand the whole place was a sepulchre.

Extraído de Boccaccio, Decameron,. M. Rigg, trad. (London: David Campbell, 1921), Vol. 1, pp. 5-11


Influênciado pelo seu século(XIV d.c), Boccaccio descreve brevemente uma das maiores tendências do seu tempo: A Morte. As vidas eram perseguidas pelas pestes, as ruas cheiravam a pestilência e se alguém espirrava encomendava-se a sua alma. Era o fim do Mundo.
Os vivos conviviam com cadáveres mais do que conviviam com vivos. Esta imagem de sinistralidade faz lembrar a concentração de mariposas mortas que se amontoam junto do fogo. E houve quem realmente se rodeasse de fogo como que para queimar a senhora de negro, ou quem dormisse com bodes no quarto, quem se cobrisse de grossas roupagens, quem inventasse mascaras para filtrar o ar, muitos procuram uma forma de iludir a fatalidade.
A Europa acordava todos os dias ciente da sua morte. Todos os dias, independentemente da idade, da profissão, do sexo, numa vulnerabilidade equalitária.
O que me impressiona verdadeiramente não é a angustia da morte, ou o número absurdo de óbitos. O mais louvável é a vontade dos que permaneceram vivos, que continuaram a trabalhar dia após dia, sabendo que quase por certo não existiria amanhã. Lavraram, apanharam lenha nos coutos, amassaram pão no moinho comunal, rezavam-se matinas nos mosteiros, copíavam-se livros decorados de iluminuras e letras desenhadas cuidadosamente, erigiam-se monumentos de arquitectura deslumbrante, tocava-se musicas nas Feiras, amava-se ás escondidas, contavam-se histórias sobre o paraíso, as meretrizes amealhavam dinheiro nas tabernas. A morte tanto tolhia como excitava a imaginação dos mais resistentes, e aquela idade denominada Idade das Trevas, que Boccaccio representa com a imagem de um gigantesco sepulcro, está cheia de riqueza, que eu me atrevo a chamar de Inocente, como que realizada por crianças imaginativas sem certeza de presente.
Deixaram-nos um futuro brilhante e reforçaram a vontade de continuar contra todas as probablidades.
Tudo isto me faz pensar nos conceitos de sociologia que me ficaram do ensino secundário. " O homem é um animal Social!", e mesmo perante a ameaça da morte do índividuo, ou do vizinho do lado, esta nossa espécie continua a trabalhar negando, recusando, o seu próprio fim. O Homem é também um animal Histórico, necessitando escrever o seu presente na consciência de vir a ser passado, um animal Político, relegando secretamente o desejo de mudança ás gerações vindouras, e um animal Passional, pela forma como se entrega á sua escrita (Histórica, Política, Social, etc), pela circunstância em que encarna o espirito de missão.

O velho e o Gato

O Velho.
Maria com o corpo magro e frágil do seu filho inerte nos seus braços de mãe.
O Velho. Mais magro que Cristo, numa nudez sumida de músculo, imaculado de branco cal, vendo que nele não se distinguíam veias, nenhuma, pois tem o sangue diluído como a tinta que sai de um pincel para a água, perturbou-me!
Choquei contra ele assim, quase na mesma posição que encontrei Cristo nos braços de Maria, só que o Velho estava suspenso no ar e de olhos arregalados, tão arregalados que impressionavam. Não tinham paz! Firmemente rigidos como todo o seu corpo frio, fixos como todos os seus braços que de tão magros pareciam os mais longos que vi. Olhos revoltados e quase vazios, escondendo apenas um pequeno tremulo da mais doce inocência.
Como Cristo, a nudez da sua pele era tão impressionante como bela, era forte e também frágil, era triste, tristemente triste. O ancião não disse nada, julgo que já não sabia sequer falar. Afigurava-se-me apenas um anjo branco carregado pelos seus filhos ainda mortais. Pareceu-me uma imagem tão pura que se fez dolorosa.
Tigrado.
Os olhos delineados por um grosso traço negro brilhante, e duas esferas como garras a fitarem o velho. Lambia o seu pêlo brilhante mesmo de frente para o corpo ressequido, orgulhoso da beleza que mostrava ao mundo. Aliás, nada era mais importante que a sua felina beleza, tudo o resto não era mais do que tudo o resto. Estava ali um belo gato jovem, com jeitos de malandro e vadio, acenando a cauda para uma quase vida, despreocupadamente, insolentemente, como qualquer jovem gato, inocente por ser belo. Nada de extraordináriamente invulgar!
Por momentos, creio que o velho branco e o gato tigrado cruzaram olhares, o principio e o fim anteciparam-se ao meio, como que antipodas admirando-se mutuamente. Assim ficaram o gato e o velho por instantes. O velho foi-se embora no seu trono de braços, o Gato foi roçar-se provocante pelas arvores de pernas dos transeuntes.

domingo, junho 13, 2004

Um paquete junto ao Rio

Ontem, já de noite, estando eu no banco de trás do carro que passava junto ao Rio Tejo, percorria de olhos deslumbrados os brilhos artificiais da nocturna humanidade. A ponte 25 de Abril enfeitada de luz, assim como alguns edificios das margens que barram o caminho á água, iluminava o céu com a sua silhueta elegante e metálica, fornecendo o melhor cenário para um paquete ancorado no Rio. Um paquete também ele cheio de luzinhas a tremer sob a vigília das horas tardias.
A velocidade dos traços e brilhos lançaram-me em mais uma viajem ao recordar aqueles filmezitos que via aos Domingos, retratando viagens fabulosas de Barco. E aí estava eu a viajar de Barco, num gigantesco Paquete, forrado de personagens interessantes e caricatas, preciosas para engrossar com páginas de papel a nossa ávida imaginação. Apesar de me parecer que estaria inserido num ambiente declaradamente Burguês e Aristocrático, a verdade é que nada disso importa, tendo mesmo o seu quinhão de Romântismo.
Um escritor, duas mulheres verdadeiramente geniais que vão dominar a acção, médicos, empregados de roupas brancas, gaivotas, enginheiros vindos de uma empreitada em África, um repugnante e políticamente correcto Politico, senhoras recatadas, senhoras acesas, crianças incautas no meio do convés, a brisa sempre fresca, senhoras de botins e vestidos Victorianos com chapéus desmesurados de tamanho e opulência, os musicos de uma banda, Smokings, fatos de gala, o D. Juan, polozinhos brancos de risquinha na gola, calções bem engomados e vincados, bebidas numa cadeira de praia, o capitão de barba Perfectly Shaved pescou um troféu com que arrancou as palmas dos passageiros, um jovem casal insinua-se discretamente sem que os seus respectivos conjuges deixem de desconfiar de Flirt, fitas com triângulos coloridos e musica por todo o lado. Pequenos almoços indispostos, Jogging, leituras de jornais internacionais, conversas que saltam de língua em língua, Alemão, Inglês, Francês, os Italianos e os Espanhois falam sempre mais alto que todos os outros! Empregados indianos, latinos loiros e morenos de cabelo ensebado de gel brilhando mais que os cromados do Navio. Uma grafonola, e Maria Callas. Todo o Navio a dançar num final próximo de um musical, surgindo cenas á parte em que os casais enamorados se encostam ao mar, escondendo os seus diálogos no rugir do Oceano, e resolvem finalmente casar para ter muitos filhos, voltando a acção para o musical dançado, novamente a uma cena de desfecho, e assim sucessivamente, equanto que um Senhor distinto e simpático de Lunette dependurada, comenta com o capitão os agradáveis episódios passados a bordo.
CENA FINAL: O Navio chega ao Porto onde tinham contratado uma série de figurantes para receber a nave branca ofuscante de luzinhas no meio do Rio. Todos estavam entusiasmados e eufóricos com a sua chegada. Tanto os tripulantes como os passageiros do Navio sorríam acenando para a mancha de multidão. Estendía-se a passadeira e um grupo irrequieto de marinheiros saía do Paquete vindo não se sabe de onde, amarrotando os seus uniformes de encontro aos braços das jovens que os esperavam em bom Porto.
Está feito o meu filme de Domingo!

sábado, junho 12, 2004

Não consigo concentrar-me na leitura a ouvir estas vozes na minha cabeça...

Lá em cima, mesmo por cima das nossas cabeças, os planetas marcham desalinhados com as suas toalhas de praia.
Recusam-se a desempenhar as mesmas orbitas que sempre descreveram seriamente. Contudo, afectados pela subita vaga de calor que vai assolando a Via Láctea dos nossos séculos, estes planetas calçaram chinélos, vestiram umas bermudas coloridas, e de toalha ao ombro foram para a praia. Mandaram um email a Mercúrio a avisar que chegaríam em breve, inquirindo pelas melhores praias. Afinal de contas, ninguém melhor que Mercúrio para saber qual a areia mais macia ou quais as melhores ondas.
Já Urano prefere uma praia menos quente e com melhores "vistas". A sua pele branca é muito sensivel e andou a amealhar aneis para agora poder esbanjar numa praia cheia de miudas de tez morena. Urano preferiu naturalmente as indicações de Vénus.
E lá vão eles apressados na sua marcha de toalha ao ombro, com o restante Universo a segui-los de arrasto, me pompa e circunstância por entre as estradas de poeira astral, percorrendo o espaço profundo, espalhando a desordem, estravazando uma boa disposição que os alheia das morosas orbitas tão sucessivamente repetidas.
Uma marcha desalinhada á procura de uma brisa marinha.

...beep beep, sai da frente Saturno, seu empata, domingueiro!!!

sexta-feira, junho 11, 2004

Que génio-louco sou eu?

Encontrei esta pequena brincadeira num blogue amigo.
Tenho habitualmente a presunção de ser louco, no meu interior social, mas abstenho-me e distâncio-me da genialidade por incapacidade. Contudo, a curiosidade é sempre maior do que uma ervilha e lá fiz o teste para ver com que personalidade Louca e Genial me assemelho mais.
Tenho de referir dois resultados pois hesitei em algumas respostas, sendo que no primeiro teste Antonin Artaud foi a vitima atribuída para modelo de comparação, e seguidamente, depois de alterar as minhas escolhas anteriores, surgem-me aqueles bigodes brilhantes do Dali.
Não há nada como um teste destes para nos engrandecer, e quem sabe auto penitênciar-nos perante o mundo pela nossa conducta pessoal.





Faça você também Que
gênio-louco é você?
Uma criação de O Mundo Insano da Abyssinia


terça-feira, junho 08, 2004

O Milagre Dulciferante

...Uma luz meiga atravessa as nuvens para incidir sobre a transparência exposta de um jardim esquecido logo a seguir á primeira Feira despoletando este milagre dançado...

De uma volta cresce outra volta
Num rodopio dançado de frenesim
Lançando-se em crua antifonia
De anjos de mármore cansados.
De uma volta nasce nova volta,
Rangendo mundos ao torcer do tempo
Roda Viva aspirando loucura
Mordendo quiméricas revelações.
Alongando as noites
Estendem-se as manhãs como tapeçarias coloridas
Desenham-se novos motivos
Para sobre eles Dançar nova dança.
De uma volta cresce outra volta
Num rodopio de conceitos idilicos
Que se desfazem contra a luz ténue
Revelando a máscara da diafanidade.
Desprendem-se os espaços
Deslizam preces opiáceas pintadas de magenta
Iluminam-se os vitrais superfluos
Para que o nada renasça irisado
Na revolta da dança síncopada
Quebrando em milhares de vidros cortantes
A ténue limitação da verdade
Erguendo-lhes um prodigioso leito...

Para que os anjos de mármore se libertem
Dêm voltas, contravoltas, rodopios
Dançando sobre a mais pura simplicidade.
Para que a sua pele pétrea e cansada
Renasça nos golpes agudos de luz contida
Ganhando feridas mortais, de sangue quente.

Eis o milagre:
Os anjos puderam desprender-se dos pedestais,
Agrilhoados estavam como em prisões apodrecidas
Subservientes á sua perfeição,
Castigados pela sua rigidez
Como águas estagnadas no meio das correntes.

Os anjos que beberam a luz, esticaram asas
E abraçaram o paraíso da imperfeição

Os anjos de peito e costas rasgadas
Dançam ás centenas no segredo dos jardins esquecidos.

Rodopíam sobre o seu passado de pedra.



quinta-feira, junho 03, 2004

A tosse manipulante

Continuamente o meu corpo salta em espasmos violentos e repentinos
Sobre o colchão.
Contorso-me sobre a caixa toráxica como que para restringir as pequenas dores aflitivas, mas de novo os pulmões enchem-se até quererem rebentar para se esvaziarem em raiva tussida, aliviante. O cansaço ganha espaço, agiganta-se.
Perturbado, procuro a posição correcta para poder enfim descansar. Nada parece ter resultado contra a enfermidade para além das minhas forças. O cansaço junta-se á irritação, á convulsão, aos espamos sucessivos e os meus dedos cravam-se na cama para que esta tenha pena de mim.
Levanto-me.
Tento inventar uma cura milagrosa, daquelas que ouvimos falar aos velhos sábios de colchões massacrados.
Duas voltas depois, resigno-me e volto ao campo de batalha. Caso o leite quente com mel não dê resultado, assim como as duas colheres de charope bem cheias, vou esperar que o corpo ceda erguendo a bandeira da derrota perante este exército desonroso que me ataca o sono.
Já desisti de acordar cedinho para os colóquios que vão decorrer sobre Carlos Seixas, aqui na cidade de Coimbra. Será esta a minha maior dor, fantoche que sou perante este mal que me corroi por dentro!

5.58

terça-feira, junho 01, 2004

Dia Mundial da Criança

Celebrando o dia da fecundidade humana, evito referir-me aos rebentos menos felizes, porque infelizmente ou vergonhosamente, não deixam de existir, fugindo-lhes porém na expectativa de que tal como a igualdade na Democracia, um dia, possam existir somente crianças felizes. Esperemos que ambas não sejam meras utopias.
E falo de politiquices, assuntos de adulto, propositadamente. Depois de tanto ouvir por aí, que temos uma criança dentro de nós, creio que seria bom propôr um Dia Mundial da Criança que Há Em Ti.
Agora para todos os que não deixaram morrer verdadeiramente a vossa criança, imaginem o gozo que sería.
Afinal de contas, a estatura não é assim tão importante!
Ainda em elaboração tenho outra proposta: O Dia Mundial Sem Gravata No Escritório. Adivinho uma ampla adesão a esta celebração.

Estranhamente, os adultos tendem a esconder as verdades mais simples do seu âmago sob processos que todos conhecemos e me excuso a comentar hoje.

A força da Representatividade

Resoluções definitivas são imagens de interrupção abruptas!
Constrangedoras, são choques violentos e premeditados.
São acções com as quais julgamos Universos inteiros em diminutos segundos

Nos quais pesamos Universos inteiros em diminutos segundos.

Se por vezes nos pareça que "definitivo" é algo inexistente,
estas resoluções devem ser sempre tomadas como tal.

Então compramos um dicionário e vivemos na floresta das definições.

Nas quais pesamos Universos inteiros em diminutos segundos
sacrificando-os á interpretação meramente simbólica,
simplista, convencional, Escrita.

Saí para tomar Café na Praça

Hoje saí de casa deambulante pela noite
Imiscuindo-me de negro nas sombras
Brilhando de negro na luz artificial da cidade
Os carros subíam e descíam como riscos apressados
Todos deslizando numa folha de papel com História
Eu continuava sempre a andar no mesmo sentido
Sempre em frente, sempre para onde queria ir
Onde o mais importante era mesmo andar
Percorria Coimbra respirando o ar nocturno
Com as folhas verdes a libertar uma aura fresca
Feliz por andar, por dar ao corpo o que me pede
Tudo em mim ganhou automatismos musculares
Tudo se contraía em força e descontracção
Escolhi um ritmo interrompido somente,
insconstantemente, agora, aqui, e, ali também,
pela irregularidade dos passeios.
Até que por fim cheguei a um local ermo
Vislumbrei a urbe exibindo electricidade
em tons de verde, amarelo, vermelho
em publicidade, candeeiros de rua, e mais
Tornando-se difusas na linha do negro
Contra elas se insurgíam copas de árvores
Com ramos de folhas negras quase inpercéptiveis
Por lapso a Lusa Atenas fez-se uma ilha
E o mar para além dela rugiu tão atraente
Que não me apeteceu mais parar de andar.
E ainda ando, por aí perdido,
Enquanto a noite pintar de negro a copa das árvores.

Descansar: Dispersar o cansaço

O ar tornou-se rarefeito para além de poluído
Cresceu-me o desejo sem jeito sem ser ilusão
Abri braços de mão em mão, abraçei-te desconhecido

...o que por vezes mete medo

...é quase certo hesitar

...não fosse alguém viver por mim...


Fiz-me ao leito do mar no meio das gotas de sal
Aprendi de novo a respirar como cura milagrosa
Deitei-me numa concha cor-de-rosa,
Descanso! Descanso sem quem me façam mal

Reflexos Esporádicos de Fraqueza Passional

O poder que tens sobre mim
abate-se do alto nos momentos em que estou mais só, em que estou mais triste
Nesses instantes respiro a súplica muda de uma palavra, porque basta uma palavra, a mais simples que tiveres para mim, a mais banal que te sobre de um dia comum para mim
Sempre aconteceu sem que o soubesses!Basta uma palavra tua que troco por todos os braços que me tocaram a pele nua
Escondo o meu amor de ti mas tudo continua
Tal como na hora já incerta
Em que pulsando em arqueantes inspirações
Deixei "Esquecida" a porta aberta


(........sem dormir
... )