quinta-feira, abril 29, 2004

Distorção inspirada no "Fim" de Mário de Sá Carneiro
Poema Politicóide




24 Rosas
Para o meu caixão
Montado num burro
Preso a um caixão

Quando eu morrer
Que batam em latas
Saltem aos pinotes
Enforquem gravatas


Nunca em vida fui tão contente
Morto sou livre de ser diferente
Nasci fora da lei
Nasci fora da lei


Nasci de quatro patas
No meio dos palhaços
Ensinaram-me acrobatas
Os mais tortos passos

Foi meu pai que me pariu
O Diabo me benzeu
Logo a bruxa me sorriu
Logo a forca se ergueu

Já as velhas se dobram em Ladaínhas
Esganiçando Salmos e Salve-Rainhas
Cresci fora da Lei
Cresci fora da Lei


Aos 24 anos
Tornei-me estudante
Já tinha a manha toda
Mas agora bem falante

Provoquei a greve
Espalhei a agitação
Eu sei que não se deve
Mas falei de coração


Enfatizei de tristes elegias
O capitular de todos os dias
Escarnicei a mais dura Lei
Escarnicei a mais dura Lei


Agora sou culpado
Por ser como sou
Por não ser soldado
O "tem de ser" me matou

Eu quero ir de Burro
Que a morte é incusa
Pirético o meu urro
Ao morto nada se recusa.

Em palco

Tudo a postos.
Entrou-se de negro no meio da luz.
Consiguia vislumbrar apenas dois palmos á frente do nariz.
Juntaram-se notas como plasticina de multiplas cores resultando numa melodia.
O bordão ditou o ritmo e a intensidade com que as palavras deveríam surgir.
Abri os lábios e contraíram-se os musculos escondidos para fazer soltar a alma engasgada.
Prendeu-se um silêncio no meio da garganta como quem põe o dedo na saída de uma torneira aberta.
A água jorrou mais intensa para depois vir a descansar, caíndo docemente sobre todos os cantos.
Os olhos abertos deixaram de ver, os olhos fechados fizeram-me viajar por imagens.
O meu coração pareceu ser todo o meu corpo. Todo ele batia.
Tentei controlar a intensidade da batida conscientemente. Impossível! Já tinha saído.
Fui eu á frente, arrastando um fluir de sentimentos.
Perdia-me de vez em quando a controlar os musculos.
Tudo em mim se contraía, como montanhas que se apertam ao desafio.
Ouvi a rocha a gemer, a gritar.
Apercebi-me de que cantava.
Estava mesmo a cantar e não sabia que musica me saía da garganta!
No final soube que cantava o desejo.
Voltei somente para respirar, por isso fiquei desperto.
Há que respirar entre o sentir, para como quem dá oxigénio ao fogo para arder, se dá ar á alma para ela queimar.
E ela ardeu numa combustão desenfreada, Dantesca, medonha, e tão doce.
Que força ganhei ao me dispersar assim em particulas até não ser nada.
Explodi, consumi-me em chamas, e acabei por fazer parte do todo.
Tornei-me Ninguém.
Cantei como se não fosse.
Fosse ninguém.
Entrelacei-me entre a trama invisivel que compõe o mundo, e cantei.

sexta-feira, abril 02, 2004

Aufwiedersien

Adieu, Adieu... Goodbye.


Que musica foleira e divertida os que foram lendo nas minhas linhas devem estar agora a cantarolar dentro da sua cabecinha.
A esses que cantam a musica foleirita de refrão fácil, despeço-me da minha regularidade.
Frisei antes que não escrevo para ninguém. Sou um egoista declarado neste espaço de ideias. Contudo, por um comentário directo que me fizeram decidi escrever algo para todos os que realmente vêm perder tempo a observar o meu ego.
Vou ter de me retirar por tempo incerto. Voltarei pelo prazer de escrever e pelo prazer de ler. Não deixarei de publicar um post oportuno, sobretudo porque nasceu aqui um vicio. Um vicio que proliferou num ambiente de escritório, onde ás escondidas, e entre a azafama de fazer outros trabalhos, as linhas foram crescendo sem muito cuidado. Nelas soltei o espirito que me libertou dos porcos e ri-me como Prometeu. O meu figado fez-se em gotas, abri janelas a um novo mundo, para finalmente chegar a nova hora de partida.



Até já...


quinta-feira, abril 01, 2004

ANTIGRAVITACIONAL

Tenho um amigo meu que anda sempre de cabeça para baixo!
É igual e normal a qualquer um de nós, a diferença está em ter o queixo onde fica o cabelo, e a boca por cima dos olhos.
Por vezes tenho problemas com ele. São assim coisas básicas, tipo: não, os barcos e os cães não voam. Os aviões é que voam e o céu, apesar de ser azul não tem nada a ver com água. Os astronautas não são nada mergulhadores.
Porém, há coisas divertidas nele. Um dia farto de ser chamado na rua por careca decidiu deixar crescer a barba. Quanto ao cabelo, que acabou por rapar, pois como já ficava grisalho parecia um daqueles barbudos do Hezbollah, e como tinha uma prima no Estados Unidos que queria ir visitar, lá acabou por se sujeitar á Lâmina.
Mas falo-vos deste meu amigo para vos testemunhar a sua maior alegria, aquela que eu invejo mais. Sempre que surge a noite, que ao contrário de nós, para ele nunca cai, este meu amigo estranho vê o chão a cintilar de estrelas e a Lua vem de vez em quando guardar-lhe os passos. Quando tal acontece ele deixa de falar connosco. Mas não o levo mal.
O meu amigo diverte-se a ver os planetas a passear pelas galáxias, a seguir as estrelas mais apressadas que correm de um lado para o outro, e a observar os mergulhadores enfiados em fatos engraçados e submarinos invulgares. É o melhor momento da sua vida.
Durante o dia não é tão feliz, apesar dos pássaros que mergulham de cabeça para baixo nos céu profundo e límpido. Mas não se sente compreendido pelos outros e julga que não tem lugar em lugar nenhum. Então um dia, ouve da boca de um velho que cuja boca se ligava de um lado ao outro separando a cabeça em duas partes distintas tendo para sua segurança mais um braço com o qual segurava a parte superior do crâneo, ouve da sua profusa boca, que o melhor sitio do mundo para as pessoas que não se identificam com o mundo normal e entediante, o único sitio, e onde ele trabalhou feliz durante muitos anos, é mesmo o Circo.
E o sonho nasceu na cabeça ao contrário do meu amigo.
Certa noite, guiado pela lua, caminhando por ruas estreladas, fez-se á vida e foi procurar um Circo onde o aceitassem. Depois disto nunca mais o vi.
As noticias que me chegam dizem que tem um número de circo em que faz o pino durante 6 horas seguidas, desempenhando malabarismos e truques de magia ao mesmo tempo. Além disso tem uma tenda onde alegra as crianças com histórias desconhecidas de planetas distantes que se só mostram de noite.
Hoje, o meu amigo é feliz, vive no circo o unico sitio onde nos podemos encontrar em harmonia entre dois mundos, onde tanto faz andar de cabeça para baixo ou para cima.

Ilusões
Coloquei as minhas mãos bem abertas sobre a parede, tocando-lhe suavemente, esticando os dedos para abraçar o mais possível de superfície que se colou por completo á pele das minhas palmas.
Escolhi a posição certa e retirei uma das mãos para em seguida pegar num marcador e com um traço contínuo delinear os contornos da primeira mão. Seguiu-se a outra mão com um gesto semelhante.
Afastei-me da parede. Fui observando curiosamente o resultado. Inclinando a cabeça para a esquerda e para a direita lá fui procurando a melhor perspectiva.
Uma grande almofada de ter pelo chão serviu-me de repouso onde confortavelmente me recostei.
Acendi um cigarro, suspirei uma baforada de fumo e alma, quando os meus olhos despoletaram o mecanismo que escondíam.
As abóbodas de azul começaram a rodar ruídosamente entre as palpebras, tal como se fossem constituídas por várias placas de azul, outras de verde, que oscilavam circularmente convergentes para os centros negros, pináculos misteriosos destas abóbadas. Na realidade, era uma unica parede que rodava por debaixo do lençol transparente e brilhante, realizada com o mesmo material que cobre a pele dos anjos. Vagarosamente movimentavam-se para o negro que as expulsava recriando uma atmosfera revoltosa semelhante a dois oceanos que se confrotam, e o azul enegrecia. O azul escureceu.
O momento e local revelavam-se propicios para a minha obra começar, pele que fiz dos olhos pinceis com que pintei o teu corpo na parede.
As abóbadas giraram lentamente, ruídosamente, conferindo á pintura toda a cor e textura que são tuas. Simultaneamente, pintei-te e admirei-te enquanto ías crescendo em pormenores, em detalhes, em curvas do teu corpo nas quais as abóbodas rodavam ainda mais lentamente, pois todo aquele azul tinha de subir onda após onda. A pele de anjo brilhava cada vez mais.
Quanto mais te pintei mais me seduziste. O tabaco estava a acabar ía já a sala cheia de fumo. Fiquei irrequieto! Não devido á falta de tabaco mas por estar quase a terminar a pintura do teu retrato.
Crescia um fio gelado e agudo dentro de mim.
Só as minhas mãos estavam quentes.
Enquanto te pintei com os olhos, fui sentindo o prazer que tiveste ao te pintar por debaixo dos contornos dos meus dedos. Batia forte o coração, ao compasso de um conjunto de viloncelos, vibrando em gestos ávidos e intensos de loucura esbracejada ao limite da entrega de seus musicos extenuados. Rebentava-me um esgotamento voraz sobre a carne que contudo parecia ter uma força impossível. Era proveniente do espirito.
Dei-me por mim levantado a aproximar-me da parede, a colocar as minhas mãos sobre as mãos delineadas, sobre o teu corpo...e entrei dentro de ti.
Hoje, resta de nós o teu retrato e a minha silheta pintada sobre a parede fria. Os violoncelos tocam suavemente já quase inertes, numa lamúria baixinha, quase inaudivel. O fumo condensou-se e veio repousar na almofada, muito delicademente, sem ninguém ouvir, para poder olhar para a parede onde…

…Deposições

Ouvi esta frase: “as dores partem mas a beleza fica para sempre”, o autor dela foi um pintor “famoso” que pintava velhinho e quase paralizado.
É uma frase para guardar.