sábado, julho 15, 2006

Fora de mim

Fora de mim, longe do mundo!
corpo enfermo que repouso vazio numa esquina
revisitado pretexto de lamber dos lábios o sal
do esquecimento
o apodrecimento minucioso das pequenas células, todas sem excepção a arder,
e uma voz ulcerosa que calo
resguardando o eco sufocante
com um tiro nos miolos
abatem as cinzas de betume cultural adquirido desde a nascença
merda para tudo isto!
merda que moldo entre minhas mãos
percebes?
Cresce o insulto medra a conspiração
Sobra-me sobretudo um sorriso
E contudo, até de mim mesmo devo desconfiar
Está-me no sangue! Percebes?
É a podridão humana que em mim habita. Ou melhor, que no meu corpo se aloja.
Receptáculo pútrido
Carcassa de ranço
Carrasco asfixiante do qual não me posso romper a não ser por este desdém
Este Ter, este possuir corpo já não me serve de nada. Finalmente!

domingo, julho 02, 2006

Uma Pequena Homenagem Partilhada


Pessoa que não conheci, rosto da Utopia, rosto que reconheço. Voz penetrante e garras das entranhas brotavam por qualquer sentimento que exprimia. Homem simples e mortal, sofreu a realidade da carne e na alma o fervor dos ideais. Penso nisto do que lhe conheço, do que me transmitiu com as primeiras frases cantadas. José Manuel Cerqueira Afonso dos Santos de seu nome, nascido 1929, soube, vivo, despir-se dos uniformes que lhe vestiram, e hoje, já morto, agarram-no para lhe vestirem outros uniformes propagandísticos, como a um santinho de procissão. Coitado do Zeca.
Não tenho ídolos ou exemplos a seguir do alto, sejam terrenos ou celestiais, sempre segui aprendendo com todos os que me trazem novidades apetecíveis. Tanto as virtudes com vícios são-me servidas pela vivência. Nunca tive heróis. Contudo, José Afonso dos Santos É possivelmente o único homem que admiro verdadeiramente. Admiro-o, podem crer! Pelo músico que foi, pelo papel de cronista que soube desempenhar com humor, por ter sido capaz de colocar tamanha humanidade, a sua, em todas canções que nos deixou. Por toda a sua simplicidade. Pela sua capacidade de entrega a um povo, a uma vontade cultural repleta de variantes em várias anotações.

Deixo-vos o poema da música "As Pombas" (Luís Andrade/José Afonso), do albúm "Os Vampiros".


Pombas brancas
Que voam altas
Riscando as sombras
Das nuvens largas
Lá vão
Pombas que não voltam
Trazem dentro
Das asas prendas
Nas bicos rosas
Nuvens desfeitas
No mar
Pombas do meu cantar
Canto apenas
Lembranças várias
Vindas das sendas
Que ninguém sabe
Onde vão
Pombas que não voltam

(dados biográficos e fotografia clandestinamente retirados do site http://www.azeitao.net/zeca/index.html)