Lá vão dois dedos
Dois dedos carregados de fogo
Percorrem as ruas do corpo
A tropeçar em silabas miudinhas
Bêbados de ausência e poemas violadores
Dizem escrever o desejo dos milagres
Com madressilvas e recados a arder
E beijam apaziguados com bocas invisiveis
Dormentes de afecto e passos desmoronados
Batem mais tarde á porta das convulsões
A devorar as nesgas do Tormento
A atear com choro os sulcos do crepúsculo
Pressentindo violetas e gritos de chuva
Até que a noite bata em retirada
até que finalmente a noite bateu sem dizer nada
sábado, novembro 27, 2004
Publicada por Artur à(s) 4:16 da manhã 1 comentários
Pode Gis
Imagina-te com os dedos a cheirar a pó de giz
Por certo escreveste no quadro
e se escreveste tinhas uma ideia
se tinhas uma ideia e a escreveste ela ficou presa
agora imagina o quão fascinante é prender uma ideia
como é fabuloso a poder suster com a ponta dos dedos num pau de giz
e no espanto da ideia que aparece
olhando introspectivamente que forma tem a ideia
pergunto-me porque imagino a forma da ideia como uma chávena de chá
para onde olhamos e vemos reflectido no liquido quente a solução
a ideia por assim dizer, é uma imagem aquosa de outra imagem, é a linha ténue
o limes entre a matéria quente e algo real, ou não, fora da chávena
Uma ideia pressupõe a ideia anteriormente gerada para saber, tal como num inventário,
a que grupo de ideias a devemos associar, tal como o chá, ou as infusões,
os estimulantes e os relaxantes, e por aí adiante
até onde a colher entra e se mexe tudo, se bebe e se escreve e resulta em algo mais
do que um biscoitinho de canela ou uma conversa de velhas tricotadas num sábado à tarde
Publicada por Artur à(s) 3:27 da manhã 0 comentários
segunda-feira, novembro 22, 2004
sacanice
Sr.º Marquês, o que vês no fundo do teu chinelo?
Que Portos percorreste sob o estalar dos teus passos ignominiosos?
A sacudir a sombra do amanhecer de semblante seguro
Que guardas na pequena caixinha escondida no bolso interior do longo casacão?
Ergues do teu desprezo o mundo convertido a uma gafaria imensa.
Que escondes sob a tua arrogância farsante de pluma?
Diz-se que deitaste a alma ao Egeu. Dizem que repousa com Poseídon e as suas ninfas,
sem submissão ao evangelho da palavra e da velha moral, entre as coxas de Nereide,
a beber néctar, de bico leve.
Deste modo guardas o hábito de libertário, de prostibulo em prostibulo, lupanar em lupanar,
vagabundeando,
remoendo de vilancico em vilancico , a nitescência do inimaginável, da vida que preservas no escaninho insignificante dentro do teu bolso de tecido grosso.
E, misteriosamente vagueias, sacudindo o azar e as sombras da aurora à procura da urna hermética, sacralizando o momento da tua morte dedicando-te a esta em vida. Porquê Sr.º Marquês? Porquê? Porque te ris do eco da tua solidão? Será este o motivo. O Medo insano da propagação? Seja assim e eu me manifesto desta galimatia em sonante casquinada, pois leva Sr.º Marquês um guizo de prata a tilintar por entre o lodo.
Publicada por Artur à(s) 1:02 da manhã 0 comentários
domingo, novembro 21, 2004
O carnal é em mim sangue, o teu sangue
Rodeias-me com esse jeito de quem quer trepar sem receios e trilhos de cobra, a empurrar-me com silêncios insolentes de encontra a superfície talhada pelas minhas mãos em fuga. A noite de carne alonga-se em membros intermináveis, sulcados de cetim e saliva quente, com chamas a arder nos olhos, e línguas agitadas nos rituais sincopados pelos estalidos do desejo. O torpe é envolvido nas paredes do vórtice que dança na melodia de campainhas e gemidos metálicos. As sete escravas apertam o laço enquanto espalham incenso e pétalas, cantando a silvos as unhas a cravar o veneno, paixão, no mais liquido interior, onde incessantemente, se erguem veias, veias e sangue. O meu sangue.
O teu sangue.
Publicada por Artur à(s) 11:34 da tarde 1 comentários
sexta-feira, novembro 19, 2004
7 migalhas discutiam numa gritaria enrijecida e estaladiça a condição de qual seria a maior
saltitante chegou um pardal que as engoliu entre dois pios
lobos maus já não metem medo
tudo faz parte da natureza
Não há novidades neste dia
Publicada por Artur à(s) 10:27 da manhã 0 comentários
quarta-feira, novembro 17, 2004
ao que se chama História
Subitamente, pela assombro, e derradameiramente, pelo indeterminado, a única recompensa da palavra é a imortalidade. Esta nunca é imediata.
Publicada por Artur à(s) 1:45 da manhã 0 comentários
segunda-feira, novembro 01, 2004
O meu regresso
Fiz-me ao caminho e de subito me vi pedra. Fez-se o tempo de construir uma casa nova e necessáriamente me vi casa. Veio o frio e convenientemente vieram muitos a abrigar-se nas minhas paredes. Caminhou o esquecimento, eu caí e caminhei também. Cheguei ao mar de me vi onda. Carreguei em mim um barco de pescador com uma faixa azul pintada. Embati contra um rochedo para acordar o faroleiro, ele correu emitir sinal, eu parti, luz, de encontro aos olhos do marinheiro à espera da costa. Ao desembarcar fiz-me terra. Cresceu em mim uma ideia, e fiz-me árvore, pendurei-me de ramos na nascente e esperei que viessem beber aquela água. Dei fruto para o fazer caminhar novamente. Apanhado pela mão pequena de um puto fiz-me bicicleta e parti para lá da procura. Voltei ao lar como campainha a festejar e a avisar o retorno.
Tudo me parece possivel quando estou onde mais desejo estar
Publicada por Artur à(s) 7:13 da tarde 0 comentários
Pureza
Saem-me da boca pedaços férreos de indisposição que cuspo, repugnado, a querer expulsá-los, a desejar que não haja mais nada a sair. São pedaços de fel, extremamente amargos. Rompem das entranhas a queimar as paredes, a morder lentamente tudo o que encontram pela frente. E só quando olhamos em volta, cuspimos, e os vemos cá fora, só aí se nota que voltaram à origem.
Publicada por Artur à(s) 7:13 da tarde 0 comentários
escrito em Portel
Abraço a lâmina romba como quem te abraça, saboreando este meu sangue com a mesma surpresa retida nos teus lábios. Caio da mesma forma inerte com que lanço o vazio no abismo. Caio eu de seguida. Em vertigem . Em viagem vertical.
No fundo, és o Fim.
Em verdade percorri o abismo sem lhe saber fundo, sem nunca ter sido a primeira vez. Perante os anos fomos os dois o mesmo, ou simplesmente, o vazio e o abismo, um a comportar o outro. Um a percorrer o outro.
Ambos estavam dentro de mim
(Ou estavamos)
Já não os oiço
Descobri o Eco
Pouco interessa a distância quando se descobre o Eco,
foi o que descobri.
Nada importa mais do que esta descoberta. Nem mesmo a cada corte que acicuta o drenar da matéria
encarnada, fluída, na superficie romba da ausência.
Nem mesmo assim
Conduzido ao esgotamento, por inveja, por acto criminoso, nem mesmo assim, jamais espero regressar.
Deixei de conhecer o familiar caminho do Abismo, perdi-me dele. Recrudesci o impeto do abraço, construindo-o ainda mais muscular, agora sim, de sentidos abertos
A falta de realidade alterou-se, ao que eu pensava anteriormente saber o que seria a realidade
Flébeis conceptualizações de tal enfermidade cessaram
A angústia provocou-me desde sempre o sonho
Ao te encontrar, Fim, julguei reencontrar-te. FIM
Publicada por Artur à(s) 7:13 da tarde 1 comentários
Esta minha negação
EU:
Não! Não quero, recuso-me a aceitar que tenho de o fazer.
Não me podem forçar a acreditar. Recuso-me! Determinantemente!
Prefiro negar tudo, manter uma aparente realidade, que sim, que é a que mais me convém.
Reclamo para mim o direito de viver nem que seja um sonho, mas viver, ao invés
de murchar entre sujeições, obrigações, e as demais desesperantes imposições, forçadas
por algo que nunca escolhi, que me foi arremessado para cima como se um pesado pano
preto se tratasse, e tratasse, de me tapar os olhos, os sentidos, a mão que se inquieta em
tocar aspirando o que realmente escolheu para si. Mas não, não a deixam repousar o tempo
suficiente para lhe guardar o calor e resistir a mais um inverno. Sempre que se afasta
sujeita-se a novo padecimento, um daqueles a que não nos podemos habituar ou morre-se
enregelado no esquecimento do próprio sangue convertido em Frio. Recuso-me a sujeições,
prefiro idealizar. Dizem que é perigoso fazê-lo, mas aprendi a reinventar e abusarei deste
deste exercicio até que me perca da realidade, se a realidade, porventura ou razão,
continua a ser esta que não quero. Esta que não quero de facto não me agrada.
Não não, esta não quero! Finco pés. Bato as solas. Chamem-me o que quiserem, mas esta
Eu não quero!
Publicada por Artur à(s) 7:13 da tarde 2 comentários