sábado, novembro 27, 2004

Lá vão dois dedos



Dois dedos carregados de fogo
Percorrem as ruas do corpo
A tropeçar em silabas miudinhas
Bêbados de ausência e poemas violadores



Dizem escrever o desejo dos milagres
Com madressilvas e recados a arder
E beijam apaziguados com bocas invisiveis
Dormentes de afecto e passos desmoronados



Batem mais tarde á porta das convulsões
A devorar as nesgas do Tormento
A atear com choro os sulcos do crepúsculo
Pressentindo violetas e gritos de chuva




Até que a noite bata em retirada



até que finalmente a noite bateu sem dizer nada

Pode Gis

Imagina-te com os dedos a cheirar a pó de giz
Por certo escreveste no quadro
e se escreveste tinhas uma ideia
se tinhas uma ideia e a escreveste ela ficou presa
agora imagina o quão fascinante é prender uma ideia
como é fabuloso a poder suster com a ponta dos dedos num pau de giz
e no espanto da ideia que aparece
olhando introspectivamente que forma tem a ideia
pergunto-me porque imagino a forma da ideia como uma chávena de chá
para onde olhamos e vemos reflectido no liquido quente a solução
a ideia por assim dizer, é uma imagem aquosa de outra imagem, é a linha ténue
o limes entre a matéria quente e algo real, ou não, fora da chávena
Uma ideia pressupõe a ideia anteriormente gerada para saber, tal como num inventário,
a que grupo de ideias a devemos associar, tal como o chá, ou as infusões,
os estimulantes e os relaxantes, e por aí adiante
até onde a colher entra e se mexe tudo, se bebe e se escreve e resulta em algo mais
do que um biscoitinho de canela ou uma conversa de velhas tricotadas num sábado à tarde


segunda-feira, novembro 22, 2004

sacanice

Sr.º Marquês, o que vês no fundo do teu chinelo?
Que Portos percorreste sob o estalar dos teus passos ignominiosos?
A sacudir a sombra do amanhecer de semblante seguro
Que guardas na pequena caixinha escondida no bolso interior do longo casacão?
Ergues do teu desprezo o mundo convertido a uma gafaria imensa.
Que escondes sob a tua arrogância farsante de pluma?
Diz-se que deitaste a alma ao Egeu. Dizem que repousa com Poseídon e as suas ninfas,
sem submissão ao evangelho da palavra e da velha moral, entre as coxas de Nereide,
a beber néctar, de bico leve.
Deste modo guardas o hábito de libertário, de prostibulo em prostibulo, lupanar em lupanar,
vagabundeando,
remoendo de vilancico em vilancico , a nitescência do inimaginável, da vida que preservas no escaninho insignificante dentro do teu bolso de tecido grosso.
E, misteriosamente vagueias, sacudindo o azar e as sombras da aurora à procura da urna hermética, sacralizando o momento da tua morte dedicando-te a esta em vida. Porquê Sr.º Marquês? Porquê? Porque te ris do eco da tua solidão? Será este o motivo. O Medo insano da propagação? Seja assim e eu me manifesto desta galimatia em sonante casquinada, pois leva Sr.º Marquês um guizo de prata a tilintar por entre o lodo.



domingo, novembro 21, 2004

O carnal é em mim sangue, o teu sangue

Rodeias-me com esse jeito de quem quer trepar sem receios e trilhos de cobra, a empurrar-me com silêncios insolentes de encontra a superfície talhada pelas minhas mãos em fuga. A noite de carne alonga-se em membros intermináveis, sulcados de cetim e saliva quente, com chamas a arder nos olhos, e línguas agitadas nos rituais sincopados pelos estalidos do desejo. O torpe é envolvido nas paredes do vórtice que dança na melodia de campainhas e gemidos metálicos. As sete escravas apertam o laço enquanto espalham incenso e pétalas, cantando a silvos as unhas a cravar o veneno, paixão, no mais liquido interior, onde incessantemente, se erguem veias, veias e sangue. O meu sangue.
O teu sangue.

sexta-feira, novembro 19, 2004

7 migalhas discutiam numa gritaria enrijecida e estaladiça a condição de qual seria a maior
saltitante chegou um pardal que as engoliu entre dois pios
lobos maus já não metem medo
tudo faz parte da natureza
Não há novidades neste dia

quarta-feira, novembro 17, 2004

ao que se chama História

Subitamente, pela assombro, e derradameiramente, pelo indeterminado, a única recompensa da palavra é a imortalidade. Esta nunca é imediata.

segunda-feira, novembro 01, 2004

O meu regresso

Fiz-me ao caminho e de subito me vi pedra. Fez-se o tempo de construir uma casa nova e necessáriamente me vi casa. Veio o frio e convenientemente vieram muitos a abrigar-se nas minhas paredes. Caminhou o esquecimento, eu caí e caminhei também. Cheguei ao mar de me vi onda. Carreguei em mim um barco de pescador com uma faixa azul pintada. Embati contra um rochedo para acordar o faroleiro, ele correu emitir sinal, eu parti, luz, de encontro aos olhos do marinheiro à espera da costa. Ao desembarcar fiz-me terra. Cresceu em mim uma ideia, e fiz-me árvore, pendurei-me de ramos na nascente e esperei que viessem beber aquela água. Dei fruto para o fazer caminhar novamente. Apanhado pela mão pequena de um puto fiz-me bicicleta e parti para lá da procura. Voltei ao lar como campainha a festejar e a avisar o retorno.

Tudo me parece possivel quando estou onde mais desejo estar

Pureza

Saem-me da boca pedaços férreos de indisposição que cuspo, repugnado, a querer expulsá-los, a desejar que não haja mais nada a sair. São pedaços de fel, extremamente amargos. Rompem das entranhas a queimar as paredes, a morder lentamente tudo o que encontram pela frente. E só quando olhamos em volta, cuspimos, e os vemos cá fora, só aí se nota que voltaram à origem.

escrito em Portel

Abraço a lâmina romba como quem te abraça, saboreando este meu sangue com a mesma surpresa retida nos teus lábios. Caio da mesma forma inerte com que lanço o vazio no abismo. Caio eu de seguida. Em vertigem . Em viagem vertical.
No fundo, és o Fim.
Em verdade percorri o abismo sem lhe saber fundo, sem nunca ter sido a primeira vez. Perante os anos fomos os dois o mesmo, ou simplesmente, o vazio e o abismo, um a comportar o outro. Um a percorrer o outro.
Ambos estavam dentro de mim
(Ou estavamos)


Já não os oiço
Descobri o Eco
Pouco interessa a distância quando se descobre o Eco,
foi o que descobri.
Nada importa mais do que esta descoberta. Nem mesmo a cada corte que acicuta o drenar da matéria
encarnada, fluída, na superficie romba da ausência.
Nem mesmo assim
Conduzido ao esgotamento, por inveja, por acto criminoso, nem mesmo assim, jamais espero regressar.
Deixei de conhecer o familiar caminho do Abismo, perdi-me dele. Recrudesci o impeto do abraço, construindo-o ainda mais muscular, agora sim, de sentidos abertos


A falta de realidade alterou-se, ao que eu pensava anteriormente saber o que seria a realidade
Flébeis conceptualizações de tal enfermidade cessaram
A angústia provocou-me desde sempre o sonho
Ao te encontrar, Fim, julguei reencontrar-te. FIM

Esta minha negação

EU:
Não! Não quero, recuso-me a aceitar que tenho de o fazer.
Não me podem forçar a acreditar. Recuso-me! Determinantemente!
Prefiro negar tudo, manter uma aparente realidade, que sim, que é a que mais me convém.
Reclamo para mim o direito de viver nem que seja um sonho, mas viver, ao invés
de murchar entre sujeições, obrigações, e as demais desesperantes imposições, forçadas
por algo que nunca escolhi, que me foi arremessado para cima como se um pesado pano
preto se tratasse, e tratasse, de me tapar os olhos, os sentidos, a mão que se inquieta em
tocar aspirando o que realmente escolheu para si. Mas não, não a deixam repousar o tempo
suficiente para lhe guardar o calor e resistir a mais um inverno. Sempre que se afasta
sujeita-se a novo padecimento, um daqueles a que não nos podemos habituar ou morre-se
enregelado no esquecimento do próprio sangue convertido em Frio. Recuso-me a sujeições,
prefiro idealizar. Dizem que é perigoso fazê-lo, mas aprendi a reinventar e abusarei deste
deste exercicio até que me perca da realidade, se a realidade, porventura ou razão,
continua a ser esta que não quero. Esta que não quero de facto não me agrada.
Não não, esta não quero! Finco pés. Bato as solas. Chamem-me o que quiserem, mas esta
Eu não quero!