quinta-feira, setembro 29, 2005

titintintin tam tam

Ergue-me um templo
A poeira que se prende naquelas sandálias conta histórias de outras terras, outras fronteiras que poucos souberam romper. Misterioso caminhante, tem os olhos indecifráveis. Dizem que não tem alma.
A um homem que não se conhece a voz e se sabe sempre a vontade parece o diabo ter-lhe aberto os braços como um pai. A estranheza de quem não o entende está para além do calor da humana compreensão, e assim, o homem é afastado dos homens.
Um dia, um belo dia porém, algo muda após o esquecimento. Certamente, convém que sejam belos os dias, ou então tenebrosos, desde que não sejam simplesmente dias como os outros. Os dias normais são para homens normais. Os dias belos são para homens belos. E há também dias tenebrosos. A mudança avizinha-se por um fenómeno extraordinário, e várias camadas de terras esquecidas abaixo do solo contemporâneo decompõe-se algo insólito, enquanto que alguém sentado numa mesa branca de metal recortada em forma flor de amendoeira bebe um café carregado de açúcar mascavado e os putos jogam à bola com bibes azuis até tocar a campainha do recreio. Os sapatos ortopédicos já estiveram no circo, entre tanta palhaçada colorida mas ainda hoje se espera que saibam corrigir o andar desviado e vadio, biltre que se formou nas ruas da droga entre amigos de ocasião e copos de cerveja entornados sobre a calçada. As fugas da polícia, onde mesmo ali ao lado da esquadra, há 50 anos atrás, havia apenas uma árvore e um homem que se mataram por paixão, cravado no nó da corda, o homem, e a árvore, deixando-se tombar. No local onde o homem se veio após a morte cresceu uma mandrágora que soube amar aquele nome gravado como se mais nenhum outro existisse.
BAMMMM
CRRRRRRYYYYYYYYYYYYYUNNNN
O carro bateu de encontro a um gato gigante atravessado na garganta do padre e a missa terminou por ali.
Mas que politica social é esta? Já não vejo tantos pobres na rua! Ainda se vê um ou outro esfomeado e esfarrapado. Lá surge um ou outro. De vez em quando.
Mas a roupa já não me serve, e sou como um balão à procura do tempo perdido. Quanto mais alto me faço mais me aterro. O que se vê é para lá do incrível surrealista! Quero pensar em flores! São bonitas as flores de tantas cores crescendo estupidamente sobre coisas estranhas. Enterradas. Também há flores tenebrosas, que não se esquecem e se assemelham como extraordinárias.
Ergue-me um templo onde não te seja estranho! Onde a minha língua te saiba a vermelho.

quarta-feira, setembro 14, 2005

6:17

Seria, então, como dizer-lhe somente

olá

e deixá-la entrar e sentar-se, delicada; oferecer-lhe um cigarro (o último!) e ficar a beber bom vinho para o resto da Eternidade.
Sem pensar.

6:17 AM

Cansado de esperar, João olhou para ela no Sofá em frente, terminou o seu café e decidiu matar a morte.
Pelos vistos não temos uma Eternidade para esperar pela morte! Não quero dizer com isto que João procurasse a morte, não, nada disso, mas esperar 6 horas e 17 minutos sem tabaco em frente a uma figura delicada, sentado num sofá confortável, com os lábios manchados de vinho tinto, sem qualquer conversação, isso sim é de desesperar. Ainda para mais, ela nunca chegou a retorquir ao seu olá. Não se pode admitir!
De facto a Eternidade só é doce na memória dos outros. E, sim, sem tabaco e sem vinho prefiro não esperar mais! Tal como o joão.
Sem pensar.

sábado, setembro 10, 2005

Um estranho Anjo

Pequena Tentativa de Conto/Versão Revivida na Formula Lírica Idealista

Encontrava-me algures entre a meia-noite e uns certos minutos e aquele reflexo nocturno artificial. As sombras da noite nas cidades são sempre humanas!
Estava à beira do carro de uns amigos, bons conhecidos, que há pouco tempo atrás, cerca de 6 meses, faziam parte das mesmas sombras humanas e distantes, colonos dos mesmos minutos, mas incertos. Haviam-me proposto uma saída telefonicamente. É verdade que raramente saio de casa. Mas não há melhor sítio para estar, provavelmente. Aí encontro sempre que fazer, há sempre algo para descobrir, é infinita a procura em que subsisto nas minhas posses. Rendido à simpatia da insistência concordei em alinhar sem saber concretamente para onde ia. Mas que importa!? Fora de mim nunca compreendo bem onde estou. E pois, ali estava a entrar para o banco traseiro do automóvel, onde me sentei confortavelmente, encostado à porta. Seis meses que passaram.Encontrei-me, depois de um sorriso-resposta a uma conversa que em nada me puxou à atenção. Seguia os reflectores cadenciados nos mamarrachos erguidos em cimento cru a separar ambos os sentidos da estrada. Fossem os sentidos da vida separados por monólitos sólidos como estes e seria mais fácil a escolha do caminho a seguir. Mas afinal, se assim fosse, o destino seria uma estrada, condenando-nos à ditadura. Fossem aquelas luzinhas cadenciadas como estrelas, e as faixas brancas, ou carris, interrompidas pela negritude das paredes que na realidade são chão, mas na minha, nem por isso. Foi o que pensei. Havia mergulhado na eternidade do inalcançável, o invisível, e tudo o que podia ver à minha volta tinha ganho um brilho incomparável. Latente. Sabia evitar ferir-me os olhos. Acordei novamente dos minutos incertos com umas pontadas frias nas costas e um torpor na nuca.
Como por vezes se acredita que num segundo podemos mudar a face da nossa existência, e nisso se tem fé,e, talvez por querer vomitar aqueles seis meses de agonia, mal o carro arrancou imaginei um acidente. É um estranho hábito que tenho, em que me vejo morrer sem dor, em que a morbidez do sinistro não passa de um sorriso infantil, divertido, por nunca nisso ver mal, ou novamente, por nesse momento não sentir dor. Não é algo de tão importante, algo que se esmaga, qualquer coisa irrecuperável,o medo terrível que nos sopra ao ouvido a probabilidade da morte.
Recordo-me apenas do coroar de luzes esvoaçantes, esquizofrénicas, daquele turbilhão de cores, do metal a entrar-me na carne coroado de gelo ensanguentado, sangue que não se prende e não arde, que não nos faz temer, porque existe sempre a contrapartida afortunada da mera possibilidade. O sinistro tem a mesma propabilidade do não-sinistro. Ao que os lábios saberão sorrir sempre.
Acordei desses instantes incertos com as marcas das mãos nos ombros, estigmatizadas na pele, até ao profundo da minha carne.
Nesses momentos,incertos,parto sem destino e vou vagueando por aí, no estranho sentido de uma estranha procura, a que me sobrou, para no regresso julgar abrir os olhos e continuar sem mágoas alcançando a beleza de todas as coisas. É para mim o mais importante da vida, a beleza, sobretudo a que se esconde. Regressei àquele banco de tecido perfumado com a vida dos outros afundando-me até me apetecer abraçar o infinito, ou melhor um anjo perdido que agora me é estranho.

segunda-feira, setembro 05, 2005

Canção de Crescimento Demográfico Relativo

O diabo deu três voltas o diabo do rapaz
Deu três voltas à partida dizia não ser capaz
Faz-te à guerra soldadinho, já és homem tem de ser
Se não és mais pequenino há um preço para crescer
Já não és mais pequenino tua mãe já não te aguarda
Faz-te à guerra, soldadinho, pede colo à espingarda


O diabo deu três voltas, o diabo General
Deu três voltas à maralha ainda assim via tudo igual
Pois por cada soldadinho já lhe dava o desgosto
Viu mais sangue do que vinho escorrendo como mosto
Toda a guerra só se finda se não houver mais para dar
Do que lágrimas nas flores sobre caixa de enterrar


Um país nunca se enterra, a sua boca sabe a lei
Arma-se de soldadinhos, diz-se para obrar o bem
A semente que ele queima, nunca espiga, ou há-de ser,
Alimento para os velhos, e os velhos lidam até morrer
Foi-se embora o menino, eis um homem que se faz
Ao matar um outro homem que afinal era rapaz


Ai diabo que não voltas...