sábado, setembro 10, 2005

Um estranho Anjo

Pequena Tentativa de Conto/Versão Revivida na Formula Lírica Idealista

Encontrava-me algures entre a meia-noite e uns certos minutos e aquele reflexo nocturno artificial. As sombras da noite nas cidades são sempre humanas!
Estava à beira do carro de uns amigos, bons conhecidos, que há pouco tempo atrás, cerca de 6 meses, faziam parte das mesmas sombras humanas e distantes, colonos dos mesmos minutos, mas incertos. Haviam-me proposto uma saída telefonicamente. É verdade que raramente saio de casa. Mas não há melhor sítio para estar, provavelmente. Aí encontro sempre que fazer, há sempre algo para descobrir, é infinita a procura em que subsisto nas minhas posses. Rendido à simpatia da insistência concordei em alinhar sem saber concretamente para onde ia. Mas que importa!? Fora de mim nunca compreendo bem onde estou. E pois, ali estava a entrar para o banco traseiro do automóvel, onde me sentei confortavelmente, encostado à porta. Seis meses que passaram.Encontrei-me, depois de um sorriso-resposta a uma conversa que em nada me puxou à atenção. Seguia os reflectores cadenciados nos mamarrachos erguidos em cimento cru a separar ambos os sentidos da estrada. Fossem os sentidos da vida separados por monólitos sólidos como estes e seria mais fácil a escolha do caminho a seguir. Mas afinal, se assim fosse, o destino seria uma estrada, condenando-nos à ditadura. Fossem aquelas luzinhas cadenciadas como estrelas, e as faixas brancas, ou carris, interrompidas pela negritude das paredes que na realidade são chão, mas na minha, nem por isso. Foi o que pensei. Havia mergulhado na eternidade do inalcançável, o invisível, e tudo o que podia ver à minha volta tinha ganho um brilho incomparável. Latente. Sabia evitar ferir-me os olhos. Acordei novamente dos minutos incertos com umas pontadas frias nas costas e um torpor na nuca.
Como por vezes se acredita que num segundo podemos mudar a face da nossa existência, e nisso se tem fé,e, talvez por querer vomitar aqueles seis meses de agonia, mal o carro arrancou imaginei um acidente. É um estranho hábito que tenho, em que me vejo morrer sem dor, em que a morbidez do sinistro não passa de um sorriso infantil, divertido, por nunca nisso ver mal, ou novamente, por nesse momento não sentir dor. Não é algo de tão importante, algo que se esmaga, qualquer coisa irrecuperável,o medo terrível que nos sopra ao ouvido a probabilidade da morte.
Recordo-me apenas do coroar de luzes esvoaçantes, esquizofrénicas, daquele turbilhão de cores, do metal a entrar-me na carne coroado de gelo ensanguentado, sangue que não se prende e não arde, que não nos faz temer, porque existe sempre a contrapartida afortunada da mera possibilidade. O sinistro tem a mesma propabilidade do não-sinistro. Ao que os lábios saberão sorrir sempre.
Acordei desses instantes incertos com as marcas das mãos nos ombros, estigmatizadas na pele, até ao profundo da minha carne.
Nesses momentos,incertos,parto sem destino e vou vagueando por aí, no estranho sentido de uma estranha procura, a que me sobrou, para no regresso julgar abrir os olhos e continuar sem mágoas alcançando a beleza de todas as coisas. É para mim o mais importante da vida, a beleza, sobretudo a que se esconde. Regressei àquele banco de tecido perfumado com a vida dos outros afundando-me até me apetecer abraçar o infinito, ou melhor um anjo perdido que agora me é estranho.

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