quinta-feira, abril 29, 2004

Em palco

Tudo a postos.
Entrou-se de negro no meio da luz.
Consiguia vislumbrar apenas dois palmos á frente do nariz.
Juntaram-se notas como plasticina de multiplas cores resultando numa melodia.
O bordão ditou o ritmo e a intensidade com que as palavras deveríam surgir.
Abri os lábios e contraíram-se os musculos escondidos para fazer soltar a alma engasgada.
Prendeu-se um silêncio no meio da garganta como quem põe o dedo na saída de uma torneira aberta.
A água jorrou mais intensa para depois vir a descansar, caíndo docemente sobre todos os cantos.
Os olhos abertos deixaram de ver, os olhos fechados fizeram-me viajar por imagens.
O meu coração pareceu ser todo o meu corpo. Todo ele batia.
Tentei controlar a intensidade da batida conscientemente. Impossível! Já tinha saído.
Fui eu á frente, arrastando um fluir de sentimentos.
Perdia-me de vez em quando a controlar os musculos.
Tudo em mim se contraía, como montanhas que se apertam ao desafio.
Ouvi a rocha a gemer, a gritar.
Apercebi-me de que cantava.
Estava mesmo a cantar e não sabia que musica me saía da garganta!
No final soube que cantava o desejo.
Voltei somente para respirar, por isso fiquei desperto.
Há que respirar entre o sentir, para como quem dá oxigénio ao fogo para arder, se dá ar á alma para ela queimar.
E ela ardeu numa combustão desenfreada, Dantesca, medonha, e tão doce.
Que força ganhei ao me dispersar assim em particulas até não ser nada.
Explodi, consumi-me em chamas, e acabei por fazer parte do todo.
Tornei-me Ninguém.
Cantei como se não fosse.
Fosse ninguém.
Entrelacei-me entre a trama invisivel que compõe o mundo, e cantei.

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