segunda-feira, junho 14, 2004

Mais uma razão para continuar a Escrita(/História)

Many died daily or nightly in the public streets; of many others, who died at home, the departure was hardly observed by their neighbors, until the stench of their putrefying bodies carried the tidings; and what with their corpses and the corpses of others who died on every hand the whole place was a sepulchre.

Extraído de Boccaccio, Decameron,. M. Rigg, trad. (London: David Campbell, 1921), Vol. 1, pp. 5-11


Influênciado pelo seu século(XIV d.c), Boccaccio descreve brevemente uma das maiores tendências do seu tempo: A Morte. As vidas eram perseguidas pelas pestes, as ruas cheiravam a pestilência e se alguém espirrava encomendava-se a sua alma. Era o fim do Mundo.
Os vivos conviviam com cadáveres mais do que conviviam com vivos. Esta imagem de sinistralidade faz lembrar a concentração de mariposas mortas que se amontoam junto do fogo. E houve quem realmente se rodeasse de fogo como que para queimar a senhora de negro, ou quem dormisse com bodes no quarto, quem se cobrisse de grossas roupagens, quem inventasse mascaras para filtrar o ar, muitos procuram uma forma de iludir a fatalidade.
A Europa acordava todos os dias ciente da sua morte. Todos os dias, independentemente da idade, da profissão, do sexo, numa vulnerabilidade equalitária.
O que me impressiona verdadeiramente não é a angustia da morte, ou o número absurdo de óbitos. O mais louvável é a vontade dos que permaneceram vivos, que continuaram a trabalhar dia após dia, sabendo que quase por certo não existiria amanhã. Lavraram, apanharam lenha nos coutos, amassaram pão no moinho comunal, rezavam-se matinas nos mosteiros, copíavam-se livros decorados de iluminuras e letras desenhadas cuidadosamente, erigiam-se monumentos de arquitectura deslumbrante, tocava-se musicas nas Feiras, amava-se ás escondidas, contavam-se histórias sobre o paraíso, as meretrizes amealhavam dinheiro nas tabernas. A morte tanto tolhia como excitava a imaginação dos mais resistentes, e aquela idade denominada Idade das Trevas, que Boccaccio representa com a imagem de um gigantesco sepulcro, está cheia de riqueza, que eu me atrevo a chamar de Inocente, como que realizada por crianças imaginativas sem certeza de presente.
Deixaram-nos um futuro brilhante e reforçaram a vontade de continuar contra todas as probablidades.
Tudo isto me faz pensar nos conceitos de sociologia que me ficaram do ensino secundário. " O homem é um animal Social!", e mesmo perante a ameaça da morte do índividuo, ou do vizinho do lado, esta nossa espécie continua a trabalhar negando, recusando, o seu próprio fim. O Homem é também um animal Histórico, necessitando escrever o seu presente na consciência de vir a ser passado, um animal Político, relegando secretamente o desejo de mudança ás gerações vindouras, e um animal Passional, pela forma como se entrega á sua escrita (Histórica, Política, Social, etc), pela circunstância em que encarna o espirito de missão.

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