segunda-feira, janeiro 19, 2004

Homenzinhos de escritório do País das Maravilhas passam Férias em bosques encantados

Vem a correr pela Avenida uma senhora vestida num casaco verde. Está aparentemente apressada como quem leva as asas de Hermes nos pés. A sua ansia é tanta que se atira para cima dos sinais vermelhos, descurando a pele couraçada das viaturas que ameaçam com roncos e gases nocivos contra a sua integridade fisica.
Ao passar por mim, quase que me alborroa o ombro. Desvio-me um pouco perante a frenetismo daquele cavalo de Ferro imparável.
Agora, noto que á minha frente está um homem com um curioso chapéu de côco. Na verdade, ele não tem nenhum chapéu, mas pensei que lhe ficaria muito bem, sobretudo um que fosse de côco.
Nesta longa Avenida, de estradas espaçosas pintadas com um infernal vai e vem de carros nervosos, estende-se uma língua de pessoas da raça das ovelhas, que caminham por estes pastos de pedra calcária onde o verde se limita a um casaco ou a um chapéu de côco. Os seus pastores modernizaram-se e ficam agora separados das suas ovelhas através de uma secretária luxuosa da qual controlam os seus rebanhos. Servem-se de maquinetas que registam a regularidade dos seus movimentos, usam poderosas máquinas de telecomunicação á distância no caso de terem de os chamar á razão, e em casos extremos de descontrolo, mandam intervir os seus cães pastores, já profissionalizados e uniformizados em azul. Mas a modernização dos pastores não ficou por aqui! Deram um puco de autonomia ás suas ovelhas, visto serem tão modernos, permitindo que estas tenham o seu próprio curral. Claro que advêm daqui uma série de vantagens, como o não ter que tomar conta delas durante a noite, ou não ter sequer que as alimentar pessoalmente. E no caso da alimentação, é a própria ovelha que tem de comprar o pasto! Bem, na hora de almoço têm um subsídio para ervita, que não é assim tão fresca, mas engorda. Isto porque alguns pastores se especializaram em alimentação rápida para ovelhas, trocando comida que não é muito saudável ( mas engorda, e a ovelha também não tem que viver muito tempo, pois as ovelhas velhas aumentam os custos e diminuem a rentabilidade ), por uma percentagem da sua lã. No final de contas a ovelha dá a sua lã para ter pasto para ter lã. O pastor fica-lhe com a lã e dessa lã dá-lhe um pequena percentagem. Mais tarde vêm os pastores de todos os pastores, senhores da grande quinta, e ficam com parte da lã que as ovelhas recebem dos seus pastores. Bééééééééééééé...
A massificação e necessidade de produção fez com que nestas Avenidas se plantassem edificios gigantescos que regados com cimento e vigas de ferro cresceram em direcção ao céu, limitando a visão de novos pastos, condensando toneladas de lã que aumentam de peso ascendendo conforme a altura, resultando em torres de lã que se abrem no céu como as abas de um cogumelo, bem lá no topo dos prédios, e filtram a luz para os melhores pastos.
Os prédios destas Avenidas nunca poderíam ter um chapéu de côco em cima porque seria algo de anormal, e o facto é que se está a falar de uma situação notóriamente normal. Já agora poderíamos imaginar três chapéus de côco gigantes numa feira de diversões, onde um mágico de ocasião, em circulos desanhalinhados, deslizaria sobre uma mesinha aqueles chapéus escondendo um edificio, desafiando as ovelhas confusas a descobrir o prédio do seu pastor.
A parafernália de movimento confunde-se com as ruas da Avenida onde não passamos de chapéus de côco nas mãos de um charlatão de feira, sempre a correr concêntricamente. E não interessa se temos pressa, ou se somos os únicos a usar um casaco verde, o que é certo é que este não é feito de lã mas sim de um poliester barato.

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