terça-feira, janeiro 20, 2004

O talho de La Fontaine

Ontem á noite senti-me carente! Pelo menos, mais carente do que habitualmente.
Tinha os sentidos despertos. O meu olfacto parecia estar mais activo, sempre á procura do cheiro de fêmea, à procura do odor adocicado da pele que a minha boca desejava saborear.
Tudo dentro de mim estava em acelaração. Era como se as reacções quimicas fizessem vomitar os átomos de desejo intenso e inquietante.
O certo é que não conseguía estar quieto.
Fiz-me á rua. Inconscientemente, dei por mim junto a um daqueles talhos para maiores de 18 anos. Eu já conhecia bem a casa e o porteiro sorriu para mim, de esgar cúmplice, assim que passei pela entrada.
Sempre tive uma atracção por aquele Neon luminiscente: "Haute Viande".
Ao entrar constatei que o ambiente estava apinhado. Haviam fêmeas a dançar em frente a mesas de tipos bem vestidos, sentindo-se o perfume caro de ocasião dos clientes, e também o perfume reles das bailarinas que acenavam exoticamene com as suas carnes.
Em palco estava uma das principais atrações da casa. Era uma vaca Tabapuã, conhecida pela proeminência dos seus fabulosos úberos, que de encontro ao varão arrancavam os olhos da assistência. Havia quem dissesse que eram de silicone. Mas se eram, porra,estavam muito bem feitos!
Pedi um copo de wiskey. Veio de volta o copo e uma Vaca Charolesa que parecia ainda uma vitelita. Tinhas os cascos bem limados, envernizados, e já apresentava uns quadris bem definidos, tentadores. Afinal o rosto é que enganava, pois parecia ter as feições de um anjinho. Sentou-se ao meu lado e veio tentar provocar-me a sede. Falava com um hálito quente e os seus úberos, de mamilos arrebitados, tesos, provocavam-me a vontade de a agarrar. Cobrir! Cobrir,Cobrir, Cobrir, era tudo o que me vinha à mente. As suas palavras doces e as suas caricias despertavam em mim a sofreguidão das noites solitárias, a tesão narcotizava-me os sentidos. Fiquei cego!
Mas não podia tocar-lhe e vinguei-me no Wiskey!
Um novo espéctaculo foi apresentado entretanto.
Todas as mesas ficaram embasbacadas com a nova apresentação. Enquanto as vacas que se insinuávam junto ás mesas, ríam com pequenos risinhos trocistas. Iríamos assistir a um grupo de Ovelhas transformistas a simular um show de carneiros transexuais. Não estão bem a ver! Foi uma situação e tanto.
As ovelhas até eram engraçadas, e tentavam disfarçar as tetas com um pano apertado. Por cima desse pano tinham um cinto com tetas postiças polvilhadas com rouge foleiro. Traziam umas pestanas postiças ainda mais exageradas, muito escuras, e no cimo da cabeça usavam uma coroa de cornos retorcidos. Através das suas roupas cheias de lantejoulas e echarpes estravagantes, dançavam com movimentos sensuais tentando não deixar de ser um pouco masculinas, levemente rigidas e musculares. Mas o mais hilariante, foi a tentativa de engrossar a voz de forma a parecer um carneiro, cantando uma melodia de cabaré. Algo de sublime!
No final deste número inesperado, o dono do talho conseguiu arrancar uma manada de palmas ao anúnciar, que da próxima vez ele próprio entraria no número. Claro que provocou a gargalhada geral, sabendo á partida que ele nunca o faria. Saíu-me um grande carneiro este tipo. Eh eh eh...
O certo é que o humor conseguiu estimular-me a imaginação e decidi que ali não faria nada de imaginativo. Se permanecesse no "Haute Viande", limitar-me-ía a ser provocado por aquelas vacas profissionais ás quais nem uma lambidela me seria permitido dar. Assim não! Foi o que disse, e fui-me embora.
Para trás ficaram aqueles fulanos bem vestidinhos, rodeados de vacas lânguidas e ávidas de dinheiro, profissionais da exaltação sexual dos sem imaginação, que não conseguindo imaginar tudo na sua cabeça necessitam estar naquele talho horas a fio para depois ir para casa bater uma, ou para esvaziar a fraca capacidade de fantasia com as próprias mulheres. Mais tarde, quando se juntam, falam destas vacas como se fossem putas, mas o certo é que nenhum deles cobriu qualquer das vacas que ali estão. Nem mesmo uma ovelha cobriram. Falam das suas carnes com avidez, esquecendo-se que elas também pensam, e talvez pensem mais que os próprios, sobretudo quando os têm debaixo de controlo e lhes fazem subir as calças, procurando tirar deles não amor mas dinheiro, fazendo-os esquecer que não são nenhum exemplar de raça, tendo sim uma capacidade exemplar de esbanjar dinheiro.
Já fui assim, mas desde que vi aquelas ovelhas transformistas a luz entrou-me nos olhos e descobri que nunca mais necessitaria de recorrer áqueles locais, contando que promovesse a minha imaginação.
Afinal de contas não viemos a este mundo somente para andar a pastar, e mesmo quando pastamos, até pode ser a vaca boa, que não passamos de burros sem saber saborear. Há que abrir os olhos, há que valorizar os sentidos e ter o devido respeito por eles! Ou tudo não passará de um talho de ganchos, espetos, e lâminas afiadas, onde se corta carne crua que outros comem com têmpero.

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