terça-feira, janeiro 06, 2004

Citando II

"Toda a musica que nao pinta nada é apenas um rui­do"
Jean Alembert


Ontem, fui ao C.C.B., o mamarracho arquitectónico que veio destruir a imponência do mosteiro dos Jerónimos. E note-se que a arquitectura do centro cultural não me desagrada de todo, mas a proximidade com o monumento histórico classificado, que é considerado um dos exlibris da arquitectura portuguesa, não me parece de facto a mais própria para nenhuma das edificações. É sobretudo uma questão de contextualização, ou melhor, de descontextualização.
Prosseguindo, desloquei-me a este centro para assistir a um momento delicioso.
Numa sala recheada de amigos, estava outro amigo sentado sobre um pequeno palco de madeira, segurando entre os braços as curvas bem delineadas da sua guitarra, acariciando as cordas sonoras de beleza.
Este Lui­s Martins, de seu nome, já me tem proporcionado, insconsciente disso, alguns dos momentos mais bonitos da minha vida. Todos eles associados á musica. Posso até descrever um deles, o que me fará reportar para o Verão passado em que entrando na Gabizé ( o restaurante do seu pai ) encontro o Luis de guitarra nas mãos. Sento-me numa das cadeirinhas.
A casa por volta das 16 horas está vazia. Apesar do calor intenso que se fez sentir naquele Verão, uma brisa extremamente agradável entrava pela porta entreaberta. Talvez tenha vindo também para ouvir, e acreditaria bem nisso.
A figura elegante de cabelo habitualmente desgrenhado tocava então na minha alma que, pela brisa, pelo calor, pela luz lugubre da sala, e pelas vibrações que o meu cerebro interpretava como algo mais, eis que atingia uma enorme paz. O meu espirito sempre irrequieto raramente tem esta paz.
Ainda bem que este rapaz decidiu entregar-se á musica, e é um verdadeiro prazer ter um amigo que tem uma Virtus destas. Uma delicia é o que vos digo!
Desloquei-me pois ao C.C.B, querendo ver este meu amigo, mas acima de tudo, fui para o ouvir tocar. Sabia que na noite anterior se tinha debatido com um ataque de uns microbios que í­am fazendo estragos. Estaria portanto debilitado. O azar teimou em bater-lhe á porta e partiu uma unha pouco antes do concerto. Ou seja, técnicamente, e são palavras do próprio Luis Martins, técnicamente nem tudo estaria tão bem.
Pois bem, pese embora todas as adversidades, tudo acabou por correr bem. O que já era certo, em verdade nunca o vi fazer nada realmente mal. E se uma falha ou outra lhe sucede, elas são todas sobejamente compensadas pela forma como interpreta, pelo seu jeito de ser uma pessoa especial. Observação que não provém de quem o conhece mas de quem o ouve e vê tocar.
Se quisesse ouvir algo sem falhas comprava um Cd, onde tudo foi trabalhado ao pormenor, sistemáticamene...maquinalmente.
Poderia encerrar este texto com a frase que acabou de me surgir em mente. Ontem, tive o prazer de ver um pintor genial a pintar um quadro bem á minha frente.
Apesar de parecer bonita e de ter uma base mais erudita, prefiro esta segunda: Sempre que o oiço, asseguro-vos, tenho um pouco do prazer que ele tem ao tocar!
É isso que ele me transmite! Adoro musica, adoro a sua forma, e ao ver tamanha alegria, tão grande alma a sentir, bebo da sua sede, partilho da sua dor, da satisfação deste musico.
Tenho a impressão que saí do C.C.B. todo sarapintado de pingos de multiplas cores.
Apetece-me acabar com um pouco de humor. Dedico-o ao Luis, pois meu caro, não sabes a sorte que tens de ter um amigo como eu..eh eh eh.

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