quarta-feira, janeiro 14, 2004

As Aventuras do Homem de Fato Cinzento
Episódio I

O Homem de fato cinzento tem um pequeno bigode que lhe acenta sobre os lábios, afastando-se ligeiramente dos extremos dos mesmos, num alinhamento rigoramente simétrico de linhas rectas convexas a partir do seu pequeno nariz abrindo para a sua pequena boca. É um bigode com personalidade, mais até do que a postura dos seus lábios demonstra.
Ontem, o Homem deixou a familia para se deslocar a um Domingo de futebol. Um Homem de fato cinzento e de familia só poderia ser benfiquista, e portanto, este Homem é benfiquista. O clube com mais adeptos no país.
Apesar de ter nacido no Norte de Portugal, veio cedo para Lisboa, a proximidade com o Porto nunca o atraíu. Inclusive, não olha para as suas raízes com bons olhos. As memórias que tem são dolorosas, de tempos de privação, podendo agora ir a um bom restarante onde come um bom naco de carne, tendo dinheiro suficiente para repetir as doses que quiser, e jamais deseja voltar a passar pelos velhos tempos. Nega então a origem, onde não era ninguém e não usava fato.
Foi ao futebol e divertiu-se muito. Levantou-se até da cadeira para gritar golo, chegando mesmo a insultar o árbitro: "incompetente". Epá, nós homens percebemos bem a adrenalina destas coisas.
Mais tarde os amigos insistiram com ele e acabou por ceder a umas cervejinhas no café do bairro. Eles souberam ser muito convincentes, e o Homem pôs-se a pensar que dias não são sempre iguais, por isso cedeu. Assim sempre se pôde rir e opinar sobre os comentários que os amigos tinham para a partida que acabou empatada. É pena é não ir correr como todos os dias faz exactamente por aquela hora.
Já se fazia tarde quando bebeu a segunda cerveja. Limpou o bigode da espuma da cerveja, despediu-se dos seus amigos que agora falavam cada vez mais alto e espiavam o rabo da empregada do café, distribuindo ameaças do que faríam com aquele traseiro caso o apanhassem humilde e submisso na sua frente. "Epá, nós homens percebemos bem a adrenalina destas coisas".
O Homem cinzento chegou a casa, deu um beijo na sua "querida", pediu-lhe, "amor, fazes-me um chá, doi-me um pouca a cabeça". Ligou o portátil e lá foi adiantar umas coisitas para o dia seguinte.
Já com seu precioso pijaminha vestido, programou a televisão para se desligar dali a meia hora.
Os seus pensamentos estavam embrenhados no meio dos diálogos do filme. Foi um dia divertido para ele, os seus amigos são uns tipos porreiraços, um pouco inconsequentes, mas foi realmente divertido. "Também, se não se abusa um pouco não se leva nada desta vida!"- pensou ele.
O homem de fato cinzento dorme agora cansado. Tem o bigode bem alinhado.

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