domingo, julho 18, 2004

INTER VIVOS

Eu sei que tu vais voltar, e quando chegares vou estar com uma expressão ridicula possuíndo todo o meu corpo. Assim por inteiro, tal como te espero, tal como respiro lentamente a fazer contas sobre mostradores de quartzo ou ponteiros convêncionais. Uma expressão ridícula de quem treme por cada passo a encurtar a distância, por cada metro de terra palmilhado com a paisagem a ficar cada vez mais estreita, dissipando-se, até ter somente os teus olhos a procurar nos meus o que não tive coragem de escrever num cartaz gigante, em letras bem berrantes, com o vermelho do meu sangue a ferver, com o azul esverdeado a saltar sobre as cabeças da multidão na esperança torturante de te conseguir ver.
Até à tua chegada, vou deixar tudo no mesmo sitio. O livro sobre a cabeceira, os ganchos de cabelo perdidos sobre os móveis, as tuas palavras sobre o meu colo, as tuas mãos esquecidas sobre a minha pele, o teu perfume escondido entre os odores do dia a dia. Fico à espera que chegues para que possas reclamar tudo o que é teu, para que desorganizes toda a ordem com o fim de a reorganizar com os teus gestos, com os teus movimentos femininos de dedos delicados, espalhando fios de cabelo onde fico preso a sorrir para que me venhas desatar do emaranhado.
Por enquanto faço o meu corpo de firme metal, a propósito de resistir a todas as dores, ás intempéries das recordações, aos vazios a ranger e a esganiçar agudos sons agudos preenchentes de matéria intangível, a acolher os golpes avassaladores das ondas de saudades que amorratam e tudo fazem estremecer em redor, até ti, onde chegam serenas, doces. As minhas células segregam metal até aos pincaros de mim, percorrendo o que tiver de ser percorrido, sem cansaços, sem fatiga, sem hesitar, decididas, ávidas, violentas, imparáveis, demoviveis, sem te poder esquecer. Certas de ti se acercam numa fogueira quase mecânica, pesada, lenta, sincronizada nestas dores de aço a nascer sobre a carne, congelando-me a vontade num processo de fundição  perigoso, que me une a ti como se em mim vivesses, sempre. E por mais tentador que se me apresente esta união tão profunda, mais aliciante se constroi a ironia de não te ter ao meu lado, porque sinto a tua falta, porque um punho se cerra dentro de mim e me puxa as entranhas a doer de tal forma que se abrem os olhos e pupilas, abrindo-se num salto repentino para lá dos seus limites, a desfazer o escudo metálico e frio que tento construir. È! È que sentir-te longe de mim também faz parte do que é sentir-te! Esperar-te, è a ilusão de te ter ainda!
 

 

8 comentários:

Anónimo disse...

tduo tão real. tão terrivelmente palpável. podias entrar numa enumeração incessante e não dirias um terço o que disseste aqui. a volta será em grande. como é sempre.

(mylostwords)

Anónimo disse...

:P tinha que ser. comecei com as gaffes do costume.

(mylostwords)

Artur disse...

gafes? Lê a introdução do post tergum e verás o quanto me interessam as gafes. São testemunhos históricos. Não há que ter medo.
A título de humor, digo-te que mais vale errar e escrever do que errar e não escrever. Podes acrescentar não errar e não escrever, etc, etc, e tudo o que seja matemáticamente correcto, etc, etc.

Anónimo disse...

nao vou escrever porque neste momento as lagrimas sao a agua doce que cura as chagas desta saudades quase irracional de tao violentamente brilhante. quero cada momento que me contas, ja.
"Certas de ti se acercam numa fogueira quase mecânica, pesada, lenta, sincronizada nestas dores de aço a nascer sobre a carne, congelando-me a vontade num processo de fundição perigoso, que me une a ti como se em mim vivesses, sempre."
(arco-iris)

Anónimo disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
Anónimo disse...

Censura?

Anónimo disse...

censura?

Artur disse...

Não, não foi censura, foi mesmo sem intenção. Sorte que era um comentário repetido.
Peço desculpa...