sábado, julho 24, 2004

Anunciando o avanço do Paraíso sobre o Apocalipse

Nas franjas da Babilònia, nas costas de Meca, ou nos parques infantis de Jerusalém ou noutro sitio qualquer, podendo mesmo ser na próprio andar de cima, ao lado, ou andar debaixo

Os punhos cerrados e o sangue a subir, vital. O estado de caos a crescer, como um vicio. A respiração fértil em escalada, o aviso. Chega o arauto, pelos olhos a rebentar de côr uivando entre as paisagens incendiadas, percutindo labaredas com a sua língua encarnada, rasgando na carne, na pedra, no metal, nos espiritos ansiosos por indulgências, chicoteando visceralmente os anjos rotos de preces com ondas espinhosas, saturnais.
Comem-se palhaços maquilhados de risos e gargalhadas, queimam-se tendas de variedades. Pisam-se pessoas pequenas com os pés grandes amputados, esmagam-se pinguins e homens de fatidiotas como dentes de alho para barrar numa longa e gigantesca fatia de pão torrado, rufa a tarola para mais um número de circo apresentado por um macaco estropiado de toda a sua vida selvagem. E mais ainda, foi castrado. Puseram-lhe um chapéuzinho turco a encimar a falta de racionalidade.
Pintam-se putas, umas ás outras, depois de mergulhadas as mãos nas placentas dos filhos abortados, esfregando-se umas ás outras, rindo hilariantes e agudas por entre estolas foleiras e lábios desmesuradamente maquilhados, beijando-se umas ás outras, saltando para cima de clientes com rabo de porco, saltando de dentes e unhas postiças, rangendo estalidos entre o exalar de prazeres comprados com horas rotineiras de trabalho mal concebido. Na rua o chulo transpira por debaixo do couro cabeludo marcado por fios de gel extra-fixante e das cacetadas de objectos contudentes que hoje lhe parecem mais dias de chuva. O cabelo é repugantemente seboso e brilha no meio das sirenes que atormentam o sono dos padres católicos, vibrando no ar com propagações de pecado profissionalizado, interrupto, messiânico, a salvar as bermas dos galhos podres e os candeiros de luzes sobrenaturais, candidas.CALA-TE! Os vermes não são os que saem da boca em filmes de terror com poucas soluções mas são as bocas que comem as poucas soluções, trepando mais alto do que os céus azuis onde existe uma portinhola directa para um inferno de pessoas satisfeitas com a sua riqueza pessoal CALA-TE! esfregando as notas e simbolos de poder como quem se barra em merda, criaturas lascivas e despudoradas com apitos enfiados no cu a anunciar CALA-TE! a supremacia da besta sobre o animalesco CALA-TE da resignação sobre a repugnância, CALA-TE! do não me batas, não me batas, sobre, bate-me cabrão a ver se eu não te dou o troco. CALA-TE! Ouve-se o silêncio de um pelotão de fuzilamento uniformizado com uma farda especial, premiada pelos estilistas do regime, muito fashion e com as cores da estação. CAlA-TE! -Dizem-me- Uma modelo desfila perante o corpo furado de balas frias absorviveis e bio degradáveis para não deixar restos CALA-TE! Espalhando sanguessugas no chão CALA-TE! como se fossem migalhas para os pombos CALA-TE! CALA-TE! a lamber aquele liquido capaz de manchar o cabedal de botas engraxadas CALA-TE enquanto em casa a opinião pública bate palmas á telenovela Venuzuelana representada nas masmorras das cidades-prisão, patrocionada CALA-TE! por spots publicitários inúteis à harmonia dos livros cor de rosa, ao canto das pombas, ás ovelhinhas e cordeirinhos a pastar nos campos, ao piar dos passarinhos e ao sorriso feliz das meninas de laçarotes e sardas da infância. Há caixas a gritar palavras, CALA-TE! palavras de ordem e conducta para o mundo de luzes nocturnas, carros e assassinos a acelarar e a espreitar o perigo antes de cada curva. Abrem-se cadafalsos e caem inertes corpos mortos há mais de 10 dias, castigados nas salas de tortura, oficialmente extraídos pelo sistema imunitário, exército de globulos brancos sempre em superioridade aos numerosos vermelhos. CALA-TE! JÁ TE AVISAMOS, CALA-TE!
E vejo o fim, este é o fim.
Arremesso o meu corpo contaminado da janela deste quarto andar, voo a abraçar o chão lá em baixo, aterro sobre a terra dura que nada sente, calada de em contra os meus dentes partidos. Estou morto mas a sentir! Estou silenciado mas a sentir. Vejo-me a mim mesmo de membros esmagados, a sentir, a repousar no solo, boca entreaberta, fracturada. Fiquei surdo com a violência do impacto mas estranhamente oiço tudo numa sala de eco, um local distante, a repousar entre nuvens relaváveis, não se entorne o copo de vinho tinto sobre elas. Desligo o televisor, prometo a mim mesmo que não o volto a ligar e levanto-me.
Convido-te a que venhas comigo.


2 comentários:

Maria disse...

"armageddon" televisivo.
canibalesco...
violento.
corrosivo.
libertador de convenções.
"hipnótico".


o teu melhor texto, para mim, até agora.

a carne gasta... de tudo.
à espera de um simples gesto, o desligar de um mero botão.

muito bom.

Anónimo disse...

rangi os dentes ao ler o teu texto, apertei o grito preso na garganta. obrigada pelo momento de raiva, e por no final mostrares que a raiva é muito criadora. odiei o chão que piso vou agora recria-lo. (tive de reler como te disse. impreessionante o que tinha ficado por dizer...)
arco-iris