quarta-feira, março 24, 2004

Paraíso de poucos no desejo de alguns

Estava a observar o "Paraíso Terreno" de Bosch, e mais uma vez fiquei intrigado com aquela fonte em tons de rosa, que inrrompe quase no centro do quadro, erguendo-se ponteaguda como um obelisco que quer ultrapassar a tela, trespassando o céu.
Vai jorrando matéria liquida que vou supor que seja água. Nunca o saberei. Esta água parece vir directamente do lago onde foi erigida a fonte e pergunto-me o que estará sob o lago do paraíso. É dificil de imaginar. Prefiro pensar que Bosch não faria uns simples peixinhos convencionais.
E se realmente não fôr água?
O que é certo é que vejo anfibios tricéfaloides e outros bichos sobre os quais o Miguel Torga nunca contou um conto. Tomo atenção ao desejo de voar, pois como seria fantástico poder ter asas! Os inúmeros pássaros que descrevem circulos contínuos adivinhando uma festa de bater de penas, calcorreando os céus acima da terra, como se fosse um brincadeira de crianças. Imagino a visão que deveria ser.
Felizes serão os pássaros que povoam os céus e a terra. E depois entram pelas aberturas da casa amarela como quem foi espreitar alguém especial. Quem será? Ah, como são felizes os pássaros. Apesar dos bicharocos bizarros neste momento quero acreditar que os pássaros são os seres mais horrendos entre os pintados por Bosch, pois levam a pecar pela inveja. São umas bestas!
Na minha infância sonhava que quase conseguia voar. Saltava muito alto e aproveitava os ventos lá em cima para ir planando. Nunca consegui voar de facto. Outros adultos com quem falei partilharam um sonho similar e alguns deles chegaram mesmo a voar. Esta noiticia deixou-me em pulgas. Será que sou posso voar se fôr criança outra vez? É que ultimamente tenho tido uma vontade assobrosa de voar. Mas as asas não me crescem e perdi o direito a ser criança.
Apetece-me praguejar. Porque não nasci com asas?
No momento da criação deveríamos poder escolher o que queríamos ser.
Eu escolhia ser um pincel para pintar tudo o que desejo em várias telas, retocando pormenores no final. E quando um dia, depois de tantos desejos pintar, já não servisse como pincel, ficaria apenas com o meu corpo de madeira polida para ser utilizado entre os cabelos longos de uma mulher jovem.
Mas agora quero ter asas e entrar naquele quarto!

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