quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Mais uma bola
Continuação...

...
"Todos corríam em grande azafama. Parecíam todos extremamente ocupados, como que a preparar um festejo. Dirigi-me a um posto turistico e perguntei o que se passava para tanta correria. A rapariga que estava dentro do posto fechou-me o vidro no nariz e por pouco não entalou ali o meu orgulho. Salvou-o um ancião, que curioso pelos meus modos se aproximou e inclinando a barriga na minha direcção, a constatável prova da sua sabedoria, exclamou com voz pomposa, quais trompetas soprando no casamento do Rei:... "
...Quando ía a ouvir o que o velho tinha para me dizer, um grupo de Somalis passou por mim a correr, desvairados, lançando gritos agudos repartidos por estalidos, batendo com os pés descalços tão violentamente no chão que a cidade pareceu desaparecer. Ao que parece estavam a treinar para a caça de Elefantes. O seu treinador tinha-os dividido em equipas de 5, incitando-os á competição, com vista a melhorar a produtividade. Esta era uma tese sua, apoiada por imensa bibilografia que tinha vindo a recolher, e da qual pensava escrever um dia um livro versando a favor da viabilidade dos sistemas artesanais nas economias liberais neo-capitalistas africanas. O "coach" estava vestido de fato de treino com riscas ao comprido de ambos os lados, com um galo bordado sobre o peito, mas sem confusões, era mesmo da le-coq-sportiv. Tinha herdado este tesouro de uma antepassado seu que o tinha ganho de um estrangeiro que veio montar os caminhos de ferro, e como seu avô lhe desenrascou uns favores, e por reconhecimento, o tamanhão do europeu, deu-lhe a preciosidade que chegou a ter honras de indumentária de principe. O "coach", usava tinha também um cronómetro que comprou de um estudioso que cronometrava o tempo de expiração final de uma vitima da sida. Foi-lhe caro, gastou quase todo o dinheiro que ganhou a trabalhar nas minas de diamantes no Botsuana, o tipo não tinha qualquer escrupulo. Facista, dizia ele.
Na conversa com o "coach" lembro-me de termos combinado uma tarde de modo a eu poder ir assistir a um novo treino para caçar companhias petroliferas, o que me pareceu bizarro, mas ele explicou-me que são mais fáceis de encontrar do que os Elefantes. Fiquei curioso mas decidi-me a deixar o simpático "coach", que fiquei a conhecer por Ketumile.
Entretanto o avôzinho já se tinha ido embora e no seu lugar ficou uma bola de cortiça que imeditamente me apeteceu chutar. Como não sou muito capaz de refrear os meus intintos levantei a perna para trás e desferi um pontapé violento no objecto esférico. Claro que me esqueci de verificar se a bola era toda de cortiça, e de facto não era. No interior estava uma pedra, e isso já explicava a dor lancinante que tinha no pé. Pior ainda, o objecto foi arremessado contra uma vidraça que acabou por se partir.
Ainda estava eu agarrado ao pé, cheio de dores, já uma mulher vinha na minha direcção com um pau de vassoura brandido ameaçadoramente. O pouco que consegui destinguir no meio da minha dor foi a sua baixa estatura e uns gigantescos seios descaídos que repousavam sobre a sua barriga onde parecia caber todo o recheio valioso da sua casa. Já tinha levado três ou quatro vassouradas, até que me consegui desculpar e mostrar-lhe a minha agonia. Ela compadeceu-se e levou-me para casa. Quando lhe contei tudo, ela levantou-se irada. Pensei que fosse levar mais vassouradas, mas ela apenas berrou o nome que se prolongava por cada silaba: Feeer...naaaaannn...dooOOOO! Fernando, vem já aqui! E lá apareceu um Fernando. Daqueles Fernandos pequeninos, para aí com 8 anos, todo ranhoso e com cara de reguila. Era seu filho, no meio de outros 23. Foi o autor da bola de cortiça. Tinha como hábito pregar partidas e não havia vassoura que o dobrasse, foi o que fiquei a saber.
A cochear pela rua, tinha agora como companheiro um pequeno puto reguila. Foi o castigo aplicado a este Fernando. Teria que me acompanhar e ajudar-me até o meu pé ficar novamente. Pensando para com os meus botões, perguntei-me se este não tinha sido um duplo castigo, uma lição para não me entregar a impulsos infantis. E de facto caminhavamos juntos.

Continua...

Sem comentários: