quinta-feira, janeiro 29, 2004

Meu avô Viriato

O sangue que me corre nas veias
Têm a herança contida de um Viriato
O mais bravo dos larápios.
Afunilando no pulso, o fluxo da resistência.
Sinto que tenho forças para arrancar o asfalto,
Que de mãos nuas, sigo dobrando em espirais
Cravando-lhe as unhas, como se carne fosse.
Do meu peito brota uma luz que cega o Sol.
E de braços abertos este pequeno Lusitano
Ergue a cabeça para sacudir a madrugada,
Com violência, domando o vento que se agiganta.
Sobram ainda forças para possuir a lua.
Ela fez-se ofegante debaixo do meu corpo!
Pois é assim que me sinto!
Tão forte, que na raiva de cerrar os dentes,
Estes acabam por se moldar uns nos outros
Como que a segurar o sabor da vida,
Ávidos do seu mais infimo pormenor.
Mas são os ollhos, os que mais sabem desejar.
São dois globos gigantescos que não têm fundo
Esgotando-se de movimentos sobre o mundo.
Acreditam que tudo podem conquistar.
Estes são os meus olhos!
E como me fazem contorcer de dores,
Dores de cores diferentes, delirios plangentes,
De quem quer tudo para si. Estes olhos,
Olhos de larápio, na argúcia da escuridão
Vêm mais do que creêm, os brutos incrédulos.
Vêm demais, demasiado, e nada deveriam ver.
E, no final, há sempre uma fábula moralista
Que nos dá o humilhante conselho de quem sabia
Que até o mais forte tem um dia de fechar a vista.
Pela traição. Foi assim que morreu Viriato.
E se pensar bem, só assim pode morrer um larápio.
Quase que sinto o metal a entrar-me nas costas,
A lâmina que abre uma fenda no granito cinzento.
Em volta tudo grita e se eleva, é o ultimo tormento.
Respeito! Trompetas gemem. Já a foice brilha na aurora,
Tingiu-se o céu de vazio, arauto do tenebroso.
O Adamastor caíu, o mar gelou, e Viriato vê agora:
Das montanhas lançou seus olhos a mergulhar
Nas paisagens verdes e douradas. Beijou as rochas
Que ficaram petrificadas ao verem um céu tão azul.
Voou pelos vales, com as amarguradas preces das popas,
Inspirou o cheio castanho das moças,tinham tranças enfeitadas.
E morreu…
Mas foi ele e não eu, eu não sou Viriato.
Meu avô eu não sou nada!
Hoje os Romanos estão fortes e os Viriatos mais fracos
É verdade, deixámo-nos romanizar…
E eu então deixo a madrugada livre e solta outra vez
Termino este meu sonho, em que fui Viriato,
Agora, vou voltar a vestir o disfarce da minha fraqueza.
Agora, volto para onde descerro os dentes
Agora, a vida foje-me perante os olhos fechados.
Mas não deixarei de ser larápio
E os romanos que se ponham em guarda...


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