sexta-feira, janeiro 23, 2004

As Aventuras do Homem de Fato Cinzento
Episódio II

Mais um dia!O Homem tinha acabado de estacionar o seu carro. Ía já caminhando alegremente em direcção ao escritório, depois de ter voltado ao carro para confirmar se as quatro portas estavam fechadas, pois nunca se sabe se o fecho centralizado pode falhar.
É óbvio que não está em causa a possibilidade de ele se esquecer de trancar o carro. Ele Nunca se esquece!
Mas neste pequeno passeio encontra uma mulher na rua a pedir esmola, daquelas que hoje vemos, ou não vemos, pelas ruas da nervosa cidade de Lisboa. Ela está completamente estirada no chão. De barriga contra o solo, e face voltada para a terra, como quem tem vergonha de olhar para o rosto dos ilustres que passam. Estende uma mão aberta para os céus.
A figura causa o irritante sentimento de piedade no Homem. As suas roupas são escuras, desde a saia comprida, ao casaco de malha extremamente coçado, terminando na miserável negritude do lenço que lhe esconde a cabeça. Até a mão que se abre é escura. Escurecida pelo sol, pelos ventos, e pela sujidade espesinhada sob as solas de sapato.
Julgo que todo o corpo desta mulher, amortalhada em vida, terá o tom mais alvo que os dentes de marfim expostos em anûncios a dentífricos, com excepção da sua mão de tez escura, por estar constantemente nua para o sol.
Então o Homem, que até estava bem disposto por ter encerrado um negócio bem representativo para a "casa", lança da sua mão ao bolso e saca uma moeda de 1 euro, poís também não é assim tão forreta, e deposita-a com um sorriso, na mão da velha estendida, esfregona abandonada na calçada.
Chegou ao escritório sorrindo para si mesmo, afinal tinha dado o seu contributo para saciar uma percentagem da fome mundial.
Por vezes, um pequeno grão de areia faz de nós uma montanha.

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