sábado, julho 17, 2004

Renascido no Carmo

Estou sentado numa mesa de café
As árvores acenam os seus ramos ruidosamente sobre Lisboa
A sofreguidão dos dias vai passando por mim apressadamente
O sol de fim de tarde espreita por entre farpas de betão
Os passos dos sapatos de couro são mais perceptíveis
As linhas dos monumentos engarrafados entre a Cidade
Os olhos irrequietos das pombas irrequietas
A empregada de mesa com a caneta a espreitar no bolso de trás
O casal de idosos com pinta de turistas
Todas as formigas que se aproximam por debaixo dos meus pés
As folhas amarelas que caem
O largo onde brincava em criança
Os soldados hirtos no quartel da Revolução
Os que sobem da rua descendente à esquerda
Os que descem à direita para o Chiado
O café forte e quente como eu gosto
O que toca e pede esmola ou um cigarro
Mas por fim nada disto me importa
Tudo isto se passou,
Tudo é uma imagem do passado
É algo que me ficou na retina da memória
Hoje, agora, na mesma Lisboa
Já nada me interessa
Transformei o espaço em redor num vórtice centrado em mim
Recupero todas as forças para somente poder sentir
E finjo como se soubesse mentir
Sou um Idiota sozinho a ver-se no umbigo do mundo
O vento acaricia-me suavemente e tudo em redor é apenas uma espiral
O mundo passa a ser o que existe, somente, interiormente
E sinto por dentro, o toque apenas por dentro,
Viciado numa imensidão, doce, medonha, a sorrir-me,
Não oiço mais do que o centro do mundo, a mover-se, maior do que a vida,
Rodeado por uma revoltosa escuridão, propositada, desejada,
Congelado de movimentos, de perna cruzada sob a mesa, silêncioso
Com as mãos ocupadas, uma caneta e papel, impaciente,
A tinta parece não se esgotar, teima em sair, mas engasgada, desajeitada,
O meu ar mais sério faz de mim um "clown" entre os Johns e Marys .
Num estado de perfeito transe estou fora de Lisboa
Imóvel a correr pelos anéis concêntricos ,
Estou sentado numa rua sem árvores, sem casas, sem cafés,
Não há ninguém em meu redor, nem sequer à minha volta Há alguém,
Estou Só, isolado idiota, nervoso imóvel, confiante na asfixia, de perna cruzada,
Já sem sentir, sem sentir o calor do café que me parece desgostosamente fraco,
Julgo ver tudo desbotado lá fora, como se tivesse crescido Mais
Sou maior, o resto minúsculo, e sobra-me Um Arrepio
Descobri que já não gosto de nada,
Surpreendido, admito que fico surpreendido,
Porque já não gosto assim tanto de tudo,
Porque paro para procurar o que gosto,
Porque o que gosto vive em de mim, no meu vórtice!
Foi assim que fechei os olhos, palpebra contra palpebra,
Desencadiei o silêncio, esfumei o mundo
Passei o carvão deitado, levemente, circularmente sobre a folha
E fiquei no centro, sentado, na mesa de desconhecido.
Assim soube,
Que já não gosto de mais nada!
Hoje, Agora, instantaneamente Agora
Tenho a certeza de que Ontem
No passado, sentia muito menos,

E Amanhã

Vou sentir ainda mais!

Alvissaras

Vou sentir muito mais!

Alvissaras

Vou sentir muito mais!

Porque finalmente consegui parar
Desfragmentei-me
Parei e reaprendi

Parei a sentir







3 comentários:

Anónimo disse...

esta última parte é uma espécie de aviso para quem te pensava morto de sentidos, talvez até para ti mesmo, pressuponho.
e há um Pessoa também quando falas em desfragmentação.
não posso deixar de te agradecer as Saudações e venho assim congratular-te por este texto excepcional.
eu sou tão suspeita para comentar tudo o que gosto pois caio vezes sem conta numa tamanha repetição.
mas tinha mesmo que te agradecer as Saudações e ainda mais com aquelas Tuas palavras a acompanhar. as palavras são assim para muitos de nós a única revolução que nos é concedida nesta vida.

Obrigada.

(mylostwords)

Artur disse...

O texto é horrível! Feio na forma, ficou tão longe da beleza que queria transmitir. Mas foi o que saíu e fica como um acto perdido, no tempo, na minha história. Gosto deste poder que é errar sem constrangimentos.

Anónimo disse...

hummm... do carmo lemro-me do cafe do vento da quase vergonha e timidez de te ouvir falar de olhar para ti como quem fica indiferente a rapariga despachada. e no segundo momento a rapariga despachada mas um olhar ja fixo a timidez transformada em provocacao o violoncelo a tocar Xutos o frio a promessa de uma casa quente de um dia que nao tem despedidas de uma bebida fresca de um so lugar onde estamos os dois sentados. tem algumas coincidencias...