quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Mais uma bola

Eis que surge uma bola vermelha.
Foi tão inesperada como um mil folhas com creme de Tangos de Piazzola.
Ficou ali especada a olhar para mim. Por momentos hesitei em entrar, mas, como parecia mostrar cansaço parei com a brincadeira, não se resolvesse a desaparecer. Fiz-me ao caminho.
Trepando pela enorme escadaria de coral vermelho, não podia deixar de ficar curioso com os peixes que nadavam á sua volta. Desde barbatanas gigantescas em peixes diminutos, a pequenas barbatanas coloridas nas lulas fluorescentes, o certo é que os cavalos marinhos estavam bem treinados e os jokeis pareciam ansiosos para a corrida. Quanto mais subia, degrau a degrau, mais vida coloria os complexos corais.
Era tudo tão bonito que me apeteceu partilhar o que via com mais alguém. Uma dor instalou-se no meu peito, resultando da minha solidão. A dor foi crescendo a medida que tudo se tornava ainda mais precioso e nunca visto. As algas estavam decoradas com as mais delicadas teias de aranhas, extremosas na sua fina arte, que tecida com fios de prata segregada por sereias aos ouvidos dos marinheiros apaixonados, guardavam raios de luar de noites já esquecidas. Estas algas compunham o caminho de arcos sucessivamente verdes, que se movendo suavemente ao sabor do vento expiravam sons perfumados, á semelhança das jovens freiras ainda virgens, esquecidas das suas matinas por amor ao corpo de Cristo.
Do meu peito rebentou então um botão que abriu em flôr de Lotus. Deste botão uma forma foi crescendo até reconhecer nele o filho que hei-de ter. Ele veio acompanhar seu pai neste momento, e terá nesta escada de coral a primeira recordação paterna. Prosseguimos de mão dada.
Já não estavamos muito longe da porta. Ele olhou para mim como se fosse a hora de nos despedirmos. Não proferiu uma palavra da sua boca, que vermelha não se assemelhava á minha. Devia ter herdado aqueles contornos da mãe, e por isso decidi não me esquecer mais dos seus lábios. Um dia saberei quem será a minha mulher graças ao meu fillho. Ele sorriu para mim, abraçou-me e deitou-se de novo no Lotus. A flor desfez-se em fragmentos que eu inspirei instintivamente, tal como meu pai havia feito um dia.
Entrei na bola vermelha mas não me recordo muito bem da porta. De facto, voltei-me para trás e não encontrei qualquer porta. O vermelho era infinito.
Todos corríam em grande azafama. Parecíam todos extremamente ocupados, como que a preparar um festejo. Dirigi-me a um posto turistico e perguntei o que se passava para tanta correria. A rapariga que estava dentro do posto fechou-me o vidro no nariz e por pouco não entalou ali o meu orgulho. Salvou-o um ancião, que curioso pelos meus modos se aproximou e inclinando a barriga na minha direcção, a constatável prova da sua sabedoria, exclamou com voz pomposa, quais trompetas soprando no casamento do Rei:...

continua

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