terça-feira, maio 24, 2005

diaporésis

Sempre soube ser feito de farrapos
a que insistentemente denomino por memórias

Mas hoje tenho o corpo feito em pedaços
quase que triturados
quase que estilhaçados
quase que não são vidros mas carne e ossos

partes
peças, das quais nunca me lembro no dia a dia
a não ser por uma comichão ou por um desalento
a não ser por estas dores que me dizem: "estás vivo"
fragmentadas,
comprimidas

Desta vez não é ao que chamo religiosamente de alma
não é a esse estrépito de retalhos que teço lamentos

Hoje esta surge vibrante de tesoura na mão
e também agulha e linha
a cozer
a cozer o tecido destes restos

Tem por dedal a minha cama

quarta-feira, maio 04, 2005

Madrugada

sonhei que deslizava sobre o tejo como um comboio
sonhei aperceber-me de que a torre de belém é em verdade um navio
como outros tantos navios a cortar as águas
sonhei que a torre arrancava da margem e se fazia ao rio
para navegar
assim como de repente todos os edificios de lisboa não eram mais do que naves
com quilha e leme
e todos partiam para o mar
sonhei que a cidade branca se transformava num deserto
e no meio do deserto nascia um candeeiro
alumiava intensamente os pensamentos de ninguém
pois nem sequer se ouvia o estalar de grãos de areia sob solas de sapatos
era o silêncio o doce que se barrava nos pãezinhos frescos sem fome
deliciado
sonhei que estava abraçado ao candeeiro
para não o deixar partir
recusava-me determinante a que fosse
também ele
um barco como os outros barcos
mas aquele Candeeiro era diferente
alumiava ninguém
tinha medo de parecer constantemente
mais do que aquela tamanha luz aos olhos do mar
sendo assim tão inatingivel
como abraçar um só grão de areia

terça-feira, maio 03, 2005

Sem Fim Temer

Inspirado na poesia do quase simpático quanto baste João Silveira
a quem deixo o meu obrigado




Do corpo das mãos
Saem raizes
Estendem-se para outras mãos
Formam palavras
Vivem felizes
Se abrem as portas à criação

Do fogo das mãos
Saem rastilhos
Nasce depois da explosão
Uma nova ordem
Uma forma sem forma
A varrer a destruição

O Medo, o Medo é o rastilho
Que nos empurra
Para mundos maiores
De porta em porta perdidos
Onde outros silvam sem nos ver

Estendem-se as mãos ao comprido
Solta-se sem fim o gemido
Solta-se por fim um gemido
NÃO ME BASTA VIVER!!