domingo, setembro 26, 2004

A grande manada de mamiferos bipedes

O mundo dos homens é uma animalada incapaz de assumir os seus hábitos predatórios. Estende-se ao canibalismo social, uma nova formula de comer o outro sem parecer muito mal. Reveste-se da mais sedutora estética, oficiosa cura para os olhos. "Olhos que vêem, coração que não sente", presuma-se pois o inverso. Desta forma se ornamenta a besta. Disfarça o seu cheiro. Vai comprando a abosolvição da sua conquista com simbolos que se tornam de poder, adereços de composição da condição de caçador.
Chega-se ao ponto de disfarçar a bestialidade e de acusar outras espécies de serem mais animalescas do que nós, reclamando para a humanidade um estado de pureza e elevação entre a natureza. Sobressaindo a inteligência politica inerente, e o instinto da sobrevalorização da imagem.
Subterfúgios rácicos estes, que apontam a criminalidade natural para outros companheiros de espécie. Envergonho-me por cair em automatismos assimilados por excesso e recorrer a criticas tão formalizadas como as que já fiz. Faz-se de uma raça uma opinião, um "gosto" divergente.
Somos animais em busca de sobrevivência assumida num meio social, na caverna artificial construída ao som dos tambores do recambolesco, elaborada por nós próprios. Resta-nos a elegia de sermos inventivos, mas vejam bem que bestas somos. Pensem bem se não tomaram uma iniciativa que esmagasse outro individuo. Claro, é tudo uma questão de sobrevivência. E referia-me apenas aos canibalismos. Pois quantos de nós não tiveram um cão ou um gato?!
E viva à supremacia sobre os fracos. Leiam Nietzche para aprofundar algumas possibilidades.

Não poeta

Nunca serei poeta enquanto fôr feliz
E eu sempre soube ser feliz
Ou pelo menos sei onde me reencontrar

Adivinha

Dormem sobre linhas de pautas os meus sonhos, espero encontrar-me neles comigo, comigo, e contigo.
Espreito segredos por entre as casas dos botões, arregalando os olhos incrédulo ao ver o peixe de luz a descansar nas águas de vidro transparente, vidro inofensivo, dimensão onde as palavras não doem, as ausências não cortam, e o silêncio se propaga docemente acalmando as linguas de espirito irrequieto e quebradiço.
Escondo pensamentos insurreitos nas concavidades das árvores. Afasto-me para que sosseguem apesar de pedirem a minha voz. Aguardo o fim do calor, o calor do fim do Verão, que abrasa o pasto rasteiro das dúvidas para que por fim possa recolher com a concha das mãos a frescura dos melhores momentos.E bebo-te! Somente para ganhar forças, unicamente porque quero resistir a Tudo o que me quer debaixo da terra. Quero merecer as dores que corroem, elaboradas por estratégias cognitivas, empiricas caminhadas no meio do lodo!
Quero afagar-te em mim, em mim, contigo. Entrego-te a minha árvore dos segredos, deixo a tinta das palavras que ficam sempre por dizer á sombra de considerações maturadas para que nunca seque, e parto de punho fechado como se nele pudesse esconder do mundo as minhas recordações, as vergonhosas imperfeições, contraído, com toda a força, feito só, morto sem vida. Do que é feito Só, morto, sem vida?

domingo, setembro 12, 2004

Uma pequena Ideia

A luz do final de tarde é tão doce! Parece subir-me aos ouvidos, oferecendo silêncio, indo deslizar liquidamente, sem qualquer urgência, pelo meu âmago. Se anjos houver, eu sou um desses seres alados ao fundir-me dentro do meu corpo com o horizonte de cores macias. Inspiro calmamente a brisa, dou ordem de comando, os membros voltam a mobilizar-se, e continuo a caminhada, retorno à humana condição de quem vai tentar apanhar a nova Noite emergente. Contudo, quer me parecer que este momento de lusco-fusco se revela na realidade a instância de movimento. Está presente na imagem de um quadro com duas imagens alternadas, uma escondida, outra delas exposta. Um quadro de crianças, que ao rodar do botão faz do dia, noite, e da noite, dia. As transições essas sim são movimento. A rodar portanto. Mesmo quando fecho os olhos e paro. Desta forma em movimento. Ao rodar do botão.

Para ti criança

Sobre a condição que é ser adulto
Arrisco a dizer que se trata somente da liberdade de poder desobedecer.
Liberta a criança que há em ti, abraça-a, e quando quiseres ser grande:
DESOBEDECE

Testemunho de um momento de espera

Passavam na rua por mim, as horas. Estava cansado da espera.
Imaginei que me sentava num banco de jardim, imagem construída mentalmente como ideal mais generoso ao meu desejado sossego, fosse este o local apropriado para poder esperar o tempo que me esperasse, esperar.
Sentei os cotovelos sobre os joelhos dobrados a sobressair do banco de ripas de madeira encarnadas. O corpo, não vendo o momento desta sinuosa demora terminar, pois nem mesmo de olhos escancarados a alcançava , pôs-se a fugir entre as fendas do assento. Devagar, num movimento lento, como dor a escorrer em derrames elásticos, matigados, a rebentar até à extensão máxima da sua própria explosão, lá se escapulia. Esta matéria, como que às fatias, ameaçava escoar-se pelo banco procurando tocar o chão, arriscando o contagio de uma qualquer doença. Cedo aprendemos que não devemos lamber o solo por onde caminhamos: "o chão é imundo". Em verdade, não conheço ninguém que tenha lambido tal superficie. Logo, ninguém me poderá dizer que sabor tem.
Com esta dúvida fiquei ali pendurado a cogitar qual seria o eventual sabor a chão. Não me poderia ter ocorrido algo mais conveniente a mascarar o desespero daquela espera.

sexta-feira, setembro 10, 2004

Purismo

O estado de frenesim sempre presente nas veias dos olhos a gemer como madeira seca , apertada por cordas estranguladoras, constrictoras, de um moinho ermo
com os pulsos a gemer, atados, amarrados em peso, violentados pela força que deixa marcas profundas, as do tem de ser, criminosa realidade. Caio, desfeito num estertor, ausentando-me da vida para ganhar dureza de esteio na morte, precedendo em fúria recrudescente o inchar asfixiante dos pulmões até o ar se tornar dor, e solto-me na raiva muda de não saber dizer, de não saber dar o incomensurável existente em mim. Este trono enfraquece-me, a coroa dobra-me o corpo de mendigo, rendilhado de feridas, pustulas da alma, envergonho-me da minha condição. Modelo de mãos frementes esboçando do nada, materializações palpáveis permeabilzantes, portões giganstescos sem fechadura, para que não percas tempo à procura de chaves, expectante, a arrepiar o momento rompante de entradas rebentadas impulsivamente e cordas rasgadas sem cuidados, onde me encontrarás postrado de manto de doçura tua a agasalhar-me a pele nua, engelhado na minha pequenez da felicidade pela comoção de te rever, e te oferecerei as paredes do meu reino indiscrítivel, o mesmo que erigi no ardor das razões impronunciáveis

sexta-feira, setembro 03, 2004

As respostas de Dona Dor

(balada ao jeito de Coimbra)

Pergunto à flor
Se viu na terra outras mãos desastradas
Ter tudo dá-lhes guerra só sabem ter nada
Responde a dor: Pobre de mim

Pergunto à flor
Se viu no chão outra voz triste caída
Que ri ao ouvir Não e esconde o rosto à vida
Responde a dor: Pobre de mim

Grito-te ó Rosa: Vê bem!
Nunca se viu ninguém que soubesse dar
O amor que nos rebenta
Desespera quem o tenta
Responde a Dor: Pobre de ti