sexta-feira, fevereiro 27, 2004

Katr El

É realmente uma obra do outro mundo!
O planeta kripton pode bem ser o seu local de origem. É um invento para super seres.
E quando se fala deste super veículo, só lhe sabe reconhecer o mérito quem nela andou. Eu ainda não conduzi nenhuma, mas aquelas mudanças desafiam-me a curiosidade. Já me estou a ver quase a virar nas curvas. E tem que ser branquinha!

Gostava tanto de ter uma só para mim!

Oh yes I would
With a rudder made of wood
Oh, spam spam spam
Não quero um BM
Fica tu com ele
Eu fico com a 4L

E nem tudo o que rima é de oiro
SPAM SPAM SPAM

J.L.BORGES

Deixo umas poesias de fim de semana que o Argentino escreveu

EL BISONTE

Montañoso, abrumado, indescifrable,
rojo como la brasa que se apaga,
anda fornido y lento por la vaga
soledad de su páramo incansable.

El armado testuz levanta. En este
antiguo toro de durmiente ira,
veo a los hombres rojos del Oeste
y a los perdidos hombres de Altamira.

Luego pienso que ignora el tiempo humano,
cuyo espejo espectral es la memoria.
El tiempo no lo toca ni la historia

de su decurso, tan variable y vano.
Intemporal, innumerable, cero,
es el postrer bisonte y el primero.


*



SOY

Soy el que sabe que no es menos vano
que el vano observador que en el espejo
de silencio y cristal sigue el reflejo
o el cuerpo (da lo mismo) del hermano.

Soy, tácitos amigos, el que sabe
que no hay otra venganza que el olvido
ni otro perdón. Un dios ha concedido
al odio humano esta curiosa llave.

Soy el que pese a tan ilustres modos
de errar, no ha descifrado el laberinto
singular y plural, arduo y distinto,

del tiempo, que es uno y es de todos.
Soy el que es nadie, el que no fue una espada
en la guerra. Soy eco, olvido, nada.


*


(esta dá uma vontade de viajar...)

MONTEVIDEO

Resbalo por tu tarde como el cansancio por la piedad de un declive.
La noche nueva es como un ala sobre tus azoteas.
Eres el Buenos Aires que tuvimos, el que en los años se alejó quietamente.
Eres nuestra y fiestera, como la estrella que duplican las aguas.
Puerta falsa en el tiempo, tus calles miran al pasado más leve.
Claror de donde la mañana nos llega, sobre las dulces aguas turbias.
Antes de iluminar mi celosía tu bajo sol bienaventura tus quintas.
Ciudad que se oye como un verso.
Calles con luz de patio.


quinta-feira, fevereiro 26, 2004

It is just one of those days

A vida é feita de cócó
Os rios são feitos de xixi
as nuvens são feitas de ranho
e as montanhas são grandes pilhas de cera dos ouvidos
o arco iris são cores libertadas pelo efeito de plásticos pestilentos e poluentes a arder
e as mamas da Pamela Anderson são de silicone
e há dias que parecem diarrieia:

escorrem-nos pelas pernas abaixo sem os podermos evitar

quarta-feira, fevereiro 25, 2004

...

Não se devem julgar as palavras quando as desconhecemos! "FORDA", por exemplo, é uma palavra latina com belo significado. Designa um momento extremamente precioso e belo da nossa natureza. E só pode atrair a nossa simpatia, porque quer dizer singelamente: "vaca prenha". Portanto quando avistarem uma vaquinha, daquelas que nos preenchem as imagens bucólicas dos pastos verdejantes aos quais os citadinos como eu acham imensa piada, então se ela estiver prenha, é só remontar ao século IV depois de cristo, como exemplo, e imaginar que é uma vaquinha romana que pelo seu tamanho tão dilatado só poderá ser mesmo uma "Forda" .

VOCES INANEM

IMPÉRIO DO CINISMO

Jogando com as palavras de forma condicionante,
O "Imperium" é uma palavra latina que implica poder,
e se extrair do cinismo a palavra "CINIS", como uma possivel raiz,
teremos então o significado de "Cinza". O Império das Cinzas.
Mas como todos sabemos o significado de Cinismo,
escusamos procurá-lo no diccionário, e basta sair á rua
para o encontrar. Podemos tambem ligar a televisão, ler o jornal,
ouvir a rádio, escutar uma conversa, estar atento aos sorrisos.
Certamente, surgirá um bom exemplar da tal condição de que falo.
Guerras para a paz...
Dinheiro para matar a fome...
Policias que fumam ganzas prendem toxidepentes...
Poiliticos que consomem droga legislam contra elas...
Pedófilos protegem as crianças...
Médicos aproveitam "prendas" das farmaceuticas...
Estraga-se o Monsanto para ganhar dinheiro com Entrecampos...
Temos TODOS de apertar o cinto...
Os Portugueses sempre ganharam mais do que merecem...
Democracia...
Estratégias politicas...
Publicidade...
Segurança Social...
União Europeia...
Campanhas anti-tabágicas...
Dia dos namorados...
A Páscoa, o Natal, e outros feriados religiosos ainda são feriados...
Lei do Mecenato...
Direitos dos trabalhadores...
Empregador condescendente e amigo...
Concursos publicos...
Frango do Campo...
Tabaco Lights...
E isto só para deixar uma pequena ideia.
Vivemos no mundo do é assim e assim tem de ser, apesar de ninguém gostar, só que todos o perpetuam. Viva o Império!!


sexta-feira, fevereiro 20, 2004

No tempo das sardas e dos caracolitos

Hoje apetecia-me voltar a ter 5 anos.
Agarrava numa porcaria qualquer e fazia dela um brinquedo.
Isto enquanto a minha mãe não me apanhasse com o tal objecto na mão.
O que é comprado é bom, o que é improvisado é "cáca".
Não mudou muito no meu mundo desde os meus 5 anos. E já lá vão quase mais 25 anos de "Cáca" com que brinco ás escondidas do mundo comprado. Como por exemplo: Este Post que acabo de escrever no escritório onde "trabalho".
Era bom poder voltar a ter 5 anos! Se era!

quinta-feira, fevereiro 19, 2004

Deposição

Este é um texto para ler! Leiam-no!

Eduarda Dionísio


25 ANOS DO 25 DO ABRIL-VOZES DA MUDANÇA


1.
Primeiro ponto: tive sorte. Como alguns milhões que estavam vivos quando o 25 de Abril nos caiu do céu e nos aterrou em casa. Falo dos que não tinham nada a perder.
Ficou-me a memória de um tempo em que as pessoas (muitas) se puseram a tratar por tu e as gravatas desapareceram até dos telejornais e dos ministérios.
E com o gosto de uma vida assim fiquei, alguns ficaram. Repugnam-me um tanto lançamentos, casamentos, condecorações, comemorações e outras cerimónias que pouco (ou nada) contribuem para a mudança do mundo.
Foi um tempo sem relógios, sem “calendarizações” e “filofaxes”, em que a noite era tão ou mais importante do que o dia. A urgência era a vida, muito mais do que uma solução para os atrasos.
Fiquei com o tempo assim subvertido. Muitos ficámos. Não entendo a felicidade com hora marcada, de fim de semana no campo, de dia fixo na discoteca. Nem que a igualdade das mulheres possa passar por horários bem comportados nos parlamentos como são.
Tenho a memória de um tempo “rentável” em que o impossível se reduziu a quase nada, com o encolher da burocracia e o eclipse parcial dos intermediários. Foi estreita a margem entre o decidir e o fazer, entre o dizer e o acontecer.
E com a certeza desta possibilidade fiquei. Alguns ficámos. Evito quanto posso repartições públicas, concursos, pedidos de subsídios. Continuamos alguns em pequenas “aventuras” hoje quase invisíveis. Com muito gosto.
Tenho a memória de um tempo em que alguma coisa do que fazíamos aparecia nos jornais. As secções não reproduziam os organigramas dos governos e dos ministérios, as greves não iam para a secção da economia. Foi um tempo de máquinas de escrever, de copiógrafos, de paredes que se pintavam.
Passei a entender-me bem com fotocópias, faxes, e-mails e até com internet. Conservo essa ideia de que a imprensa serve para nos informarmos uns aos outros. E também o vício de “publicar”, de divulgar, de partilhar o que se sabe (ou julga saber), de apelar, de juntar pontas. Mesmo quando dizem que é “para nada”.
Tenho a memória de um tempo em que as vozes das mulheres se ouviam mais do que muitas outras fora de casa, e essas vozes chegaram às casas de cada um.
E com o som da alegria, da razão e dos divórcios para novas vidas fiquei. Não chego a entender o que sejam “quotas”.
Falo dum tempo em que subitamente cada um descobriu que sabia muito mais do que tinha aprendido. Os saberes nasciam da necessidade, do entusiasmo, da curiosidade por aquilo que não existia ainda, da atenção aos outros e às coisas, às palavras.
E com a crença de que só assim se aprende fiquei. Sou estranha às sábias ponderações sobre formação profissional, sucesso escolar, cultura com vista ao “desenvolvimento”…
Guardo a imagem de um imenso laboratório de fotografia de onde iam saindo rolos e rolos, ininterruptamente. Em negativo, claro. E era a própria luz do dia e os nossos olhares que os imprimiam. Melhor ou pior.

2.
1999. Descubro numa página de publicidade que os industriais portuenses são uma nova “voz da mudança”. A AIP, na comemoração dos seus 150 “prósperos” anos, oferece-nos uma fatia de cultura: o surrealismo - artistas devidamente “comissariados” por “gestor cultural”, explicados por “especialistas em arte”, “patrocinados” por 60 e tal logotipos de empresas várias, MC incluído.
É uma mudança: os patrões das fábricas onde foram vegetando operários numa miséria à Dickens (e que prescindiram dos seus Grémios no 25 de Abril…) interessam-se agora por Arte e escolhem aqueles que há 60 anos clamavam: “Transformar o mundo’, disse Marx, ‘mudar a vida’, disse Rimbaud - estas palavras de ordem são para nós uma só”.
O Ministro da Cultura tinha entretanto feito sua a primeira metade de um slogan dos operários italianos dos anos 70: “a cultura não é uma flor na lapela”. Apesar de não ter adoptado a segunda metade (“é crescimento colectivo e conhecimento da realidade para sabermos modificá-la”), também aqui há uma “mudança”…
O discurso da “mudança” é o discurso de hoje. É ponto assente que a “globalização” impõe “mudanças”, que as “novas tecnologias” as ampliam (ou vice-versa), que nos cabe saber “aproveitá-las”, que a civilização está “mudada”, que a cultura é “outra coisa”.
Mas essas “mudanças”, que se enquadram na tendência dominante para o “consenso” (o contrário da democracia) e que frequentemente se confundem com “democratização” (e até com “conquistas de Abril”) são na realidade a “certidão de óbito” do 25 de Abril como instrumento. Acompanham a sua transformação em objecto de evocação e de comemoração.
As mudanças que se deram há 25 anos foram rompimentos. De regime, mas também de referências, de conceitos, de relações, de gestos, de modos de vida, de linguagens. E o maior terá sido dar voz a quem não a tinha. Foi em conflito (em que uns perderam e outros ganharam - eu, por exemplo, perdi quase sempre…) que a democracia nasceu. Foi de rompimentos que ela se fez. Esquecer e silenciar isto não transformará a História.
A primeira voz que aqui trago é a de João Martins Pereira, que, em 1983, lembrava aos “intelectuais” o que se começava a esquecer:
"Esses dois anos terão sido para muitos (para eles próprios, mas sobretudo para uns milhões de trabalhadores da cidade e do campo, de "deserdados", de explorados, de moradores de bairros da lata, de velhos e novos, homens e mulheres) os dois únicos anos da sua vida - até ver - em que agiram, comunicaram, decidiram, enfim, intensamente viveram" .
E a segunda voz é a de Vítor Hugo Lucas, da Comissão de Moradores do Bairro da Liberdade, em Setúbal, fundador e gestor da creche, e que, durante anos, até descrer, esteve, em pleno uso quotidiano das palavras e das ideias. Conta o que aprendeu (por exemplo: que havia leis escritas, que elas podiam ser usadas) e o que ensinou. Sobre os engenheiros e arquitectos do SAAL, com quem diariamente conviveu, afirma: “eles aqui é que vieram aprender”.

3.
De facto, de um momento para o outro, milhares de pessoas que nunca tinham pegado espontaneamente numa caneta ou num pincel passaram a usar folhas brancas (que se tornaram comunicados e cartazes) e também paredes onde inscreveram, a preto e branco ou a cores, letras e imagens. Para viabilizar empresas, fábricas e terras, para construir casas, puseram-se elas a fazer projectos, orçamentos, actas, a falar umas com as outras e tu-cá-tu-lá com o poder. Foi de “conquista da felicidade” que se tratou.
O que começava a mudar era a vida. E com ela o conceito de cultura e o seu lugar no quotidiano.
Poucos artistas e intelectuais repararam que era o próprio terreno da cultura que se ia deslocando. Lembro-me do João Mota que notou a diferença que era ter passado a fazer teatro “sem polícia e sem bombeiro”, e na rua; de Ernesto de Sousa que insistiu na importância das manifestações teatrais fora da capital, do “número extraordinário de publicações”, das paredes anónimas de Lisboa.
Sobre essas paredes (que em breve seriam “limpas”) Fernando Azevedo diria: "A humanização da cidade não teve estratégia. Eclodiu. (...) A dimensão estética que inovou não teve assinatura. Foi obra do povo e sinal do seu poder".
É natural que, no meio destas mudanças, os artistas “a sério”, os escritores, não tivessem muita importância quando, ainda por cima, os grandes rompimentos de linguagens (talvez anunciadores do 25 de Abril) já se tinham dado uns anos antes e nada indicava que outros estivessem em preparação.
O que mudava eram os processos de produção, de distribuição, de consumo, com o “quem” (que se alargava e diversificava) ao centro: quem fazia, quem mostrava, quem recebia.
O significativo aumento, de 73 para 75, das idas ao teatro e ao cinema e das tiragens dos livros entra neste quadro de “movimento colectivo”, de “saída de casa”, de “descoberta do desconhecido”. Os números começariam a descer a partir de 76, para chegar, em 94 (ano da Capital da Cultura), a 1/6 do que eram então no caso do cinema, a 1/3 no caso do teatro e a metade no caso das tiragens de livros em 1ª edição.
Não existiu, portanto, um alheamento dos produtos culturais nestes tempos “conturbados”. Também não foram pequenas leis nem “grandes realizações” do Estado com vedetas no cartaz que fizeram aumentar os consumos.

4.
O painel feito por 48 pintores (muitos deles hoje com alta cotação no mercado), no primeiro 10 de Junho que não foi “da Raça”, não terá sido um “rompimento” de fundo, mas pôs os problemas com que as artes e a cultura se debatiam. Os artistas, aliás, não demorariam muito a “regressar à normalidade” e a apostar no seu novo papel de promotores de “consenso”.
A terceira voz que aqui trago é de a de António Mendes, autor de um dos 48 rectângulos do imenso painel, que ardeu em 81:
“Um grupo de pintores” … “no dia 1 de Maio, na rua” … “sugeriu que se fosse pintar as paredes do Técnico.” … “Eram feias assim” … “apetecia tornar as coisas bonitas” … “Era agora altura para cada um se manifestar, fazendo aquilo que sabe fazer, ao ar e à vista de todos” … “Depois, veio a fase da organização”… “Eu que tinha aderido a um puro divertimento, a uma festa, vi-me embarcado numa seriíssima 'homenagem'”... “que não se passava ao sol mas num espaço fechado” ... “que já não era o cobrir de uma parede cega mas a pintura de uma convencionalíssima tela...” … “Fui sem vontade”... “Mas a festa fez-se e acho que resultou melhor do que era de esperar”... “brutalmente cortada - é certo - pela cena da censura da televisão que todos sabemos.”
Foi assim que muitos artistas e intelectuais “perderam o pé” na complicada encruzilhada de três inconciliáveis desejos: 1º “a poesia está na rua”(sem autor portanto); 2º os poetas têm direitos de autor e sindicais; 3º o Aparelho de Estado é um lugar para poetas.
E a quarta voz que aqui trago é a de Ernesto de Sousa, uma grande excepção, que conta o seu quotidiano em 75. Deitar às 5, levantar às 8. E, num só dia, reler uma mesa redonda do Jornal Novo sobre “Revolução Cultural”, uma nota da Quinta Divisão sobre a polémica da Exposição de Paris, escrever uma crónica para a Vida Mundial, participar num júri da SNBA, fazer uma sessão de diapositivos no ARCO com uma escultora belga, encontrar-se com Mário Pedrosa (ex-director do Museu de Santiago do Chile), ver a exposição “Colagens” na SNBA, participar numa mesa redonda sobre o conflito no IPC, montar um super 8 da Festa da Electricidade para os amigos da Dinamização, pôr em dia a correspondência com o realizador Robert Kramer e o pintor Robert Filiou. E no fim exclama: “Eu sou um trabalhador, não acham? Pois, um trabalhador intelectual, e depois?”
Já em 77, poria de pé uma inesperada “Alternativa Zero”, com o apoio da SEC então ocupada em “moralizar” o teatro independente … “Criação consciente de situações”. “Entrar no quotidiano” sem a “mentira dos objectos”. 10000 visitantes no Mercado de Belém. Artistas consagrados e estreantes. Movimentos artísticos “de ponta”. Participação activa do público.
Mas já era tarde para provar que o difícil, o diferente, o abstracto ou o conceptual não é necessariamente igual a “elitista” e que o fácil, o habitual, o naturalista, o figurativo, o decorativo não é igual a “popular”. Tinha-se dado o regresso aos quartéis e começavam os regressos a casa. O 25 de Novembro apanhou na rede também a “Alternativa Zero”: possibilitou a sua concretização ao mesmo tempo que esvaziou a sua proposta.

5.
Vinte e cinco anos depois, falar do 25 de Abril é falar do 25 de Novembro, que aconteceu menos de dois anos depois, e onde houve vencedores e vencidos. Vivemos num pós-25 de Novembro e não no pós-25 de Abril. É útil perceber o que, sendo radicalmente novo, terminou na sua sequência e o que, apesar dele, continuou. E vamos parar às lutas mais radicais. Ou seja às que colocaram a questão de uma “outra cultura”.
Penso nos geralmente mal etiquetados casos República e Rádio Renascença; mas também na esquecida ocupação da Gulbenkian; noutras lutas localizadas - contra os patrões no Círculo dos Leitores, contra os filmes da Lusomundo - empresas hoje mais poderosas e mais consensuais do que nunca.
Histórias com morais diferentes, ao longo das quais os derrotados foram semeando mudanças. Lembro que a luta da Rádio Renascença começou, ainda em Abril de 74, com a proibição da administração (a Igreja) de transmitir declarações de Cunhal, Soares, JM Branco e L. Cília, regressados do exílio; que na Gulbenkian a luta começou, logo em Maio, com a proibição de uma reunião de trabalhadores por Azeredo Perdigão em pessoa.
E são estas as últimas vozes que aqui trago, de 75, contemporâneas das “paredes”:
Uma: “A Fundação continua a insistir no mesmo tipo de relação cultura-público e a servir a este o mesmo género de concertos, exposições, livros, etc. Deplorando esta situação, os trabalhadores estão determinados em mudar a concepção de cultura suscitando novas relações que ultrapassem o simples âmbito dos meros sinais exteriores de que a prática cultura se reveste”.
E outra: “Nós, trabalhadores da ‘República’, somos conscientes de que estamos numa sociedade a que falta ciência e educação, a que falta portanto uma política de informação que, em vez de mutilar as classes trabalhadoras exploradas e pobres, lhes dê o poder da inteligência e da economia” (…) “declaramos que na Informação os trabalhadores têm de poder determinar que o fruto do seu trabalho - o jornal - seja aplicado em realizações que dizem respeito à transformação do homem e da vida e não em objectivos belicistas dos políticos, em privilégios de minorias corruptas ou em exibicionismos partidários”.
Perceber estas propostas (vencidas) de mudança, em vez de obstinadamente lhes descrevermos os fastidiosos itinerários partidários, talvez esteja mais do que nunca na ordem do dia, quando velhos espectros com roupagens novas nos atacam e quando a dificuldade de os combater é cada vez mais declarada. Para citar só alguns: iliteracia, pensamento único, exclusão. Não era disto mesmo que estas últimas vozes falavam?
Não ter medo de fantasmas é a única forma de ver claro. Para poder utilizar hoje a sorte que tivemos ontem. Seria bom que “comemorar o 25 de Abril” pudesse significar fugir a sete pés do domínio das ideias feitas e do consenso obrigatório.



27 FEV 99



quarta-feira, fevereiro 18, 2004

Televisão

Um grupo de cinco crianças curiosas decidiu-se a explorar um velho báu empoeirado. Estava guardado á tanto tempo que os mais velhos não se lembravam mais da sua existência.
O mais intrépido dos miudos era o "P", era assim que lhe chamavam, e vinha do seu nome de familia. Fora ele quem decidira abrir o baú que o Flipe descobrira numa daquelas suas manobras malabaristicas que se lhe conheciam, pois era o mais desajeitado de todos. Andava sempre a cair. Os pais para evitarem as suas quedas tinham instalado lá em casa um sistema anti-gravitacional concebido pela Nasa, pelo que ele desde os 5 anos via os seus sonhos assombrados por um Newton furioso.
P, decidira que deveríam juntar esforços e conjuntamente abrir o Baú que deveria encerrar os mais varidos tesouros. E todos nós sabemos o quanto as crianças cobiçam os tesouros. Partiram todos equipados com os objectos que acharam mais apropriados entre os quais se encontrava uma lanterna roubada na garagem do pai do Raul, o boneco da irmã do Pedro, e um compasso.
Eis que depois de sacudir a poeirada toda, depois de muito tossir e, de muita esfregadela de narizes irritados, lá se abriu a velha tampa. A lanterna lançou a sua luz e os miudos viram dentro do baú um sotão empilhado de velharias. P decidiu que deveríam entrar.
Depois de bisbilhotar todos os cantos, encontraram um enorme skate, uma corda, um motor, e uma caixa de bolos que ainda estavam bons. Já o mapa estava um pouco amarelecido, mas ainda dava para notar aquele "X" a Vermelho. Carlitos, o mais velho de todos, agarrou no seu compasso e traçou umas linhas concêntricas, pelas quais afirmou terem encontrado um mapa. E mais uma vez fora Flipe quem tropeçara num caixote, e derrubara um lampião que se partiu. Quando foi para apanhar os vidros, procurou uma pá e uma vassoura, encontrou ao lado de uma picareta, uma pá e uma folha escondida dentro de uma garrafa. Pensava usar a folha como vassoura quando Carlitos lhe tirou o papel da mão. Agora a vassoura era um mapa, e todos gritaram de alegria, com a curiosidade a gemer sob os saltos que davam de entusiasmo.
"Vamos caçar um tesouro": Diziam. E lá foram, antes que se fizesse tarde.
Carlitos, mais uma vez opinou...viu que os circulos que traçara estavam um dentro do outro, e portanto, deveria haver outra porta, outro Baú. P chegou-se á frente e insinuou que só poderia ser a caixa onde Flipe tinha tropeçado. Verificaram a suspeita que se veio a verificar. Era um baú ainda mais velho que o primeiro. Abriram-no, coçaram os narizes, espirraram e entraram no Baú.
Estavam no meio do nada. Uma mata adensava-se em frente, e ouviam-se barulhos assustadores de pássaros inimagináveis. P meteu-se á frente e decidiu democráticamente que deveríam todos entrar na mata. O tesouro só poderia estar dentro dela. Mas Carlitos dizia que ainda faltavam dois circulos. P nem o ouviu, já tinha atrevessado a primeira linha de vegetação.
Subitamente um rosnar cercou-os por todos os lado e surgiu um enorme cão furioso.Provavelmente seria o guardião do tesouro, mas quem é queria saber de tesouros naquela altura. O Pedro atirou-lhe com a boneca da sua irmã e o cão hediondo ficou ocupado por uns segundos. Montaram todos a prancha, ligaram o motor e fugiram sem destino.
Assim que se acabou a gasolina, a prancha parou, e os 5 miudos estavam perdidos, no meio da escurdão, sem qualquer tesouro. Flip deixou-se cair para trás. Estava exausto. Os outros também. Decidiram comer os bolos junto ao lago ali em frente. Raul lançou a ponta da corda para dentro do lago. É que para além de gostar de atirar coisas tinha desenvolvido com seu pai o gosto pela pesca.
Terminados os bolos, veio o a tristeza. Estavam perdidos. P atira furiosamente uma pedra para o meio do lago e uma onda nasce do local onde a pedra foi arremessada. Esta formou um circulo e Carlitos ergueu-se em sobressalto pois este deveria ser o penúltimo circulo. E o curioso é que no centro do circulo surgiu uma esfera brilhante com um "X" vermelho marcado. Era um reflexo da Lua. Os cinco putos puseram-se a subir pela corda em direcção ao centro do lago, estavam a um passo de chegar á lua. Chegados ao destino, correram para o "X", pegaram nas pontas deste e descolaram-nas. Por debaixo do adesivo estava um Baú. Este era mais velho que os tempos. A ansiedade era muita, e mais uma vez espezinharam a curiosidade saltando-lhe em cima.
Espirraram, tossiram, esfregaram os narizes e abriram o baú...estranharam o que viram. Só encontraram umas escadas. P diz: "vamos embora, toca a andar" - e lá foram eles. Entraram numa sala onde cinco crianças, fartas de só verem telenovelas, malucos do riso e Marinas Motas, haviam decidido fazer algo de divertido e propuseram-se a abir um velho Baú.

terça-feira, fevereiro 17, 2004

IN SHA'A ALLAH
Oxalá

A cultura islâmica deixou-nos traços ainda que indeléveis, por vezes quase inelegiveis, que se misturam na nossa herança Europeia como tinta na paléte de um Deus pintor.
O termo "oxalá", significa "Se Deus quiser", e tem a sua raiz na palavra, que á primeira vista sobre a lingua desconhecida, nos confronta com um ponto de interrogação. Mas apesar do fervor islâmico, o nosso "oxalá" tornou-se uma expressão quotidiana, vulgar. Eu sempre a utilizei quando a natureza tem caminhos que parecem estar para além da minha força de controlo. Sejam eles momentos de dificuldade ou mesmo de prosperidade.
E perante a lei Islâmica, o "in sha'a alla" significa a entrega Deus, sendo o seu orador um novo "Abd", um novo servo de Deus. Então, este inicia a sua peregrinação( o "hajj" ), entregando o seu caminho a Deus todo o poderoso e sapiente, o pai de todos.
O que nos leva a nós Portugueses, herdeiros de uma variedade cultural tão vasta, a evocar esta expressão? Já é admirável o "oxalá" ter escapado á censura que a Igreja Católica imprimiu no passado.
Não vemos mulheres vestidas de "Chador" ou de "Burka" pelas nossas ruas, nem as encontramos representadas na suprema arte de azulejaria Portuguesa, mas de facto, parmanecem em nós traços caracteristicos dos povos dos desertos.
Quando o Português declama a sua paixão pelo mar, julgo que se esquece que também teve em tempos o deserto como casa. Quem sabe, não foi isso mesmo que o tão desejado D. Sebastião descobriu, e prefiriu, ao invés de ser Rei de Mares, viver como principe das areias, viver no meio daquela terra escaldante, onde um dia três reis se defrontaram e encontraram a paz?!
Já agora, continuando a epopeia Lusitana, que começou a partir do momento em que os pastores se romanizaram e desceram das montanhas para a boca faminta da civilização, dirijo-me para outro oceano, e este está já esquecido na nossa memória, para falar um pouco mais de espiritualismo. O tema agradou-me.
Os Indianos com o seu Budismo são muito mais especificos que nós os cristãos e muçulmanos. A sua religião está muito mais pensada para o ser humano. Ela define etapas da nossa vida.
Mas não se admirem ou criem pressupostos, lembrem-se que também Piaget, lido pelos psicólogos, aplica diferentes fases, estadios, etapas, ao nosso crescimento desde a infância á adolescência. Vai-se mudando a linguagem conforme os séculos...
Sendo assim, os budistas encaram a vida com o "Dharma", que se divide em diferentes objectivos a que o homem se deve propôr. Resumidamente aponto o "Moksha", ou seja o renascimento. Para o qual necessitaremos de atingir o "Sanyasa", um dos "Brachmacharya", e que se traduz numa total renúncia do mundo. Esta meta, entendi que deverá ser alcançada quando nos afastamos do "Svpra" (estado de sonho) ou do "Sushupta" (sono profundo), para atingir o Turiyna (super-estado). Pela concepção budista tudo depende do homem. Já pela concepção popular: "in sha'a allah" (oxalá). Não admira que Nietsche tenha elogiado o Budismo em relação a outra religiões.
Mas o que escrevo não tem o intuito de valorizar o Budismo. Há muito que olho para as religiões com curiosidade, sabendo que nelas existem ideias generosas, mas apenas isso. Não me considero um fiel, preferindo olhar para dentro como um individuo susceptivel a influências culturais. E como tal, pergunto-me porque razão o budismo não teve uma presença mais forte entre nós, o povo que converteu o Adamastor, e descobriu a "auto-estrada" para as especiarias em detrimentos da rede de "nacionais" Africanas.
Parece-me obvio que terá algo a ver com o poder institucionalizado da época, do qual fazia parte integrante a Sagrada Igreja. Hoje, a Igreja já não é tão sagrada, mas o facto é que continuamos a ser romanos, e infieis muçulmanos.
Pergunto-me se estaremos assim tão presos a laços genéticos? Se caso tivessemos sofrido uma ocupação dos povos da India não teríamos vocábulos evoluídos de expressões religiosas? Na alternativa de não termos nada que nos prenda a nivel genético, então porque permanecemos acorrentados a uma velha cultura que as várias revoluções puseram de parte? Estaremos á espera de uma nova religão globalizante? Ou aguardamos nova invasão? Será que este fenómeno de anti-globalização já vem de há uns séculos atrás, fechando os canais de trocas de ideias a conceitos caseiros?
Parece-me que resultamos de culturas globalizantes, religiões globalizantes, que tendo sido impostas pela força, resultam hoje em pormenores insconscientes contra os quais não existe sublevação.
Mas não deixamos de desejar a mudança!

O que escolher?
Sopas de cavalo cansado? Cuscous? Ou Caril?



Imediatos

"Abaixo a reacção!
Vivam os motores a hélice"

Lia-se na "Rás", uma républica de Coimbra.
Fixei a frase. Realmente as paredes poderíam ser muito mais uteis do que simples espaços onde se espetam pregos, se penduram quadros, se encostam moveis.

quarta-feira, fevereiro 11, 2004

Poesia Haiku



Tocar um corpo

e o ar

e a língua de neve.



Tocar a erva

mortal e verde

de cinco noites

e o mar.



Um corpo nu.

E as praias fustigadas

pelo sol e o olhar.

Na "metamorfose" de Ovidio

Principio Chaos in elementa quatuor a deo distinguitur;
quibus cum sui darentur incolae, etiam homo ex terra et aqua creatus est. Secutae sunt aetates hominum quatuor, in quarum postrema, eaque vitiosissima, cum Gigantes, ne terris securior esset aether, coeleste regnum peterent, ex eorum, a Iove interemptorum, sanguine nova hominum propago orta est. Qui cum et ipsi essent impii, Iupiter non modo Lycaonem in lupum mutat, sed omne genus hominum animaliumque terrestrium diluvio perdit, unde soli relinquuntur superstites Deucalion et Pyrrha, qui post redditam terram, iactis post tergum lapidibus, humanum repararunt genus.
Reliqua animalia sponte sua ex humore et calore prodierunt: in quibus etiam Pytho serpens. Quem cum Phoebus interemisset, Pythios ludos in rei memoriam instituit, quibus victores esculea corona donabantur; nondum enim erat laurus, in quam mox Daphne, Phoebi amorem fugiens, est conversa. Quod cum accidisset, tum ad patrem eius Peneum reliquis fluviis, sive gratulandi, sive consolandi gratia congregatis, solus desideratus est Inachus, sollicitus de Ione filia, quam Iupiter post stuprum in iuvencam mutarat. Ea cum a Iunone Argo custodienda esset tradita, hunc Mercurius, narrata prius Nymphae Syringis in arundinem transformatione, occidit, eiusque deinde oculi a Iunone in pavonem collati sunt. Tum Io, pristina mulieris forma recepta, Epaphum parit.

Eis que até as bestas amam.
Mas o amor raramente se prostra ou presta a facilidades. Pelo que a serpente tem o seu papel, os deuses têm o seu papel, e por vezes, não sendo suficiente, para que tudo funcione, tem de haver uma grande transformação.
Mas a verdade é que nunca gostei de Ovidio! Ao ler a "Arte de Amar", pareceu-me que deveria ter o titulo daqueles anûncios de jornais, ou livros de bruxaria: "como conquistar o seu amor", ou "como caçar o seu presa". Algo que fosse um pouco mais forte, ou menos poético.
Mas a entender pelo seu livro deveremos invejá-lo, pois só pode ter sido muito bem amado. Ovidio, o feliz.
Assim se transformam as bestas!



Pois é!!

Fiquei com esta frase a picar-me o humor. Encontrei-a no blogue de uma pessoa por quem tenho muito afecto. Um individuo fora de série, usando expressão corrente. O seu blogue denomina-se: arqueoblogo.blogspot.com, e é excelente.
Nele constava...

MYRTIS BENE FELAS

"Mirtis, faz boas mamadas"

Os romanos eram doidos dizia o Uderzo. Pois!

Mais uma bola
Continuação...

...
"Todos corríam em grande azafama. Parecíam todos extremamente ocupados, como que a preparar um festejo. Dirigi-me a um posto turistico e perguntei o que se passava para tanta correria. A rapariga que estava dentro do posto fechou-me o vidro no nariz e por pouco não entalou ali o meu orgulho. Salvou-o um ancião, que curioso pelos meus modos se aproximou e inclinando a barriga na minha direcção, a constatável prova da sua sabedoria, exclamou com voz pomposa, quais trompetas soprando no casamento do Rei:... "
...Quando ía a ouvir o que o velho tinha para me dizer, um grupo de Somalis passou por mim a correr, desvairados, lançando gritos agudos repartidos por estalidos, batendo com os pés descalços tão violentamente no chão que a cidade pareceu desaparecer. Ao que parece estavam a treinar para a caça de Elefantes. O seu treinador tinha-os dividido em equipas de 5, incitando-os á competição, com vista a melhorar a produtividade. Esta era uma tese sua, apoiada por imensa bibilografia que tinha vindo a recolher, e da qual pensava escrever um dia um livro versando a favor da viabilidade dos sistemas artesanais nas economias liberais neo-capitalistas africanas. O "coach" estava vestido de fato de treino com riscas ao comprido de ambos os lados, com um galo bordado sobre o peito, mas sem confusões, era mesmo da le-coq-sportiv. Tinha herdado este tesouro de uma antepassado seu que o tinha ganho de um estrangeiro que veio montar os caminhos de ferro, e como seu avô lhe desenrascou uns favores, e por reconhecimento, o tamanhão do europeu, deu-lhe a preciosidade que chegou a ter honras de indumentária de principe. O "coach", usava tinha também um cronómetro que comprou de um estudioso que cronometrava o tempo de expiração final de uma vitima da sida. Foi-lhe caro, gastou quase todo o dinheiro que ganhou a trabalhar nas minas de diamantes no Botsuana, o tipo não tinha qualquer escrupulo. Facista, dizia ele.
Na conversa com o "coach" lembro-me de termos combinado uma tarde de modo a eu poder ir assistir a um novo treino para caçar companhias petroliferas, o que me pareceu bizarro, mas ele explicou-me que são mais fáceis de encontrar do que os Elefantes. Fiquei curioso mas decidi-me a deixar o simpático "coach", que fiquei a conhecer por Ketumile.
Entretanto o avôzinho já se tinha ido embora e no seu lugar ficou uma bola de cortiça que imeditamente me apeteceu chutar. Como não sou muito capaz de refrear os meus intintos levantei a perna para trás e desferi um pontapé violento no objecto esférico. Claro que me esqueci de verificar se a bola era toda de cortiça, e de facto não era. No interior estava uma pedra, e isso já explicava a dor lancinante que tinha no pé. Pior ainda, o objecto foi arremessado contra uma vidraça que acabou por se partir.
Ainda estava eu agarrado ao pé, cheio de dores, já uma mulher vinha na minha direcção com um pau de vassoura brandido ameaçadoramente. O pouco que consegui destinguir no meio da minha dor foi a sua baixa estatura e uns gigantescos seios descaídos que repousavam sobre a sua barriga onde parecia caber todo o recheio valioso da sua casa. Já tinha levado três ou quatro vassouradas, até que me consegui desculpar e mostrar-lhe a minha agonia. Ela compadeceu-se e levou-me para casa. Quando lhe contei tudo, ela levantou-se irada. Pensei que fosse levar mais vassouradas, mas ela apenas berrou o nome que se prolongava por cada silaba: Feeer...naaaaannn...dooOOOO! Fernando, vem já aqui! E lá apareceu um Fernando. Daqueles Fernandos pequeninos, para aí com 8 anos, todo ranhoso e com cara de reguila. Era seu filho, no meio de outros 23. Foi o autor da bola de cortiça. Tinha como hábito pregar partidas e não havia vassoura que o dobrasse, foi o que fiquei a saber.
A cochear pela rua, tinha agora como companheiro um pequeno puto reguila. Foi o castigo aplicado a este Fernando. Teria que me acompanhar e ajudar-me até o meu pé ficar novamente. Pensando para com os meus botões, perguntei-me se este não tinha sido um duplo castigo, uma lição para não me entregar a impulsos infantis. E de facto caminhavamos juntos.

Continua...

O Homem de cinzento
Episódio V

O Homem, acordou! Hoje sem se levantar para fazer a barba, sem ter de espalhar o after-shave incomodativo dos úlitmos 5 anos. Sem tomar as torradas e o café com leite de toda a vida. Sem levar as crianças á escola, sem se despedir da mulher com um beijo.
Afinal ele nunca leu a biblia!
E aquele roupeiro forrado de fatos cinzentos não passa da falta de imaginação de um narrador que fez dele personagem. Um acto pobre e sem qualquer mais valia sentimental, desprovido do calor que na realidade a vida dá à superficie cutânea dos que estão vivos. Uma infeliz obra de um espirito que prefere montar a vida dos outros do que a própria.
O Homem ficou transtornado porque recebeu um exame do médico onde vinha especificado uma anomalia rara. A cavidade que se destina a receber o orgão vital estava vazia. Ele não tem coração! Não existe, e não se sabe se alguma vez existiu. Tem apenas um espaço vazio no seu lugar.
Está á mais de uma hora na cama a tentar ouvir palpitações do seu batimento cardíaco, mas não houve nada. Não é possivel, pensa ele. E amaldiçoa quem criou tamanha aberração.
Um homem sem coração só pode ter sido criado por outro homem sem coração- Pragueja ele-.
Saíu da sua casa, ainda de pijama vestido, levou o cartão de crédito e foi comprar fatos de outras cores.

segunda-feira, fevereiro 09, 2004

CITAÇÃO VI


" A educação criou uma vasta população capaz de ler, mas incapaz de reconhecer o que vale a pena ser lido"
Trevelyan,G.

Homem de Cinzento
Episódio IV


O Homem descobriu que afinal não tem nenhuma amante. Foi tudo um sonho criado pela sua cabeça. Ele teve sim, a vontade de ter uma amante. Por isso ficou mais tempo na cama e se atrasou.
A sua desonra foi causada por um sonho molhado, ali, mesmo ao lado da sua mulher. Foi o desejo de um pecador, que como um porco quis sucumbir ás delicias carnais dos diabos de saias roncando, chafurdando avidamente. Desejou esconder-se da sua vida entre as pernas de uma cortesã.
Concluiu que a vontade de ser jovem, em que era homem capaz e bem sucedido entre as mulheres, lhe prevaricou o juízo resultando dele um sonho cor-de-rosa. Cor-de-rosa, a cor do pecado disfarçado de cordeirinho.
Mais uma vez, veste o seu fato, cinzento, metódicamente, elegantemente, apertando o último botão do colarinho em frente ao espelho, incomodado pelo cheiro do after shave, ainda presente no ar, e parte par a sua desgraça como um soldado armado de rigidez troca a vontade própria por um designio maior.

sexta-feira, fevereiro 06, 2004

O Homem de fato cinzento
Episódio III

09:05...Este é o marco na vida do Homem!
Será uma data que por mais que ele viva, jamais o esquecerá!
Existem poucas coisas que marcam desta forma a vida de um homem.
Ele lembra-se!
O dia do nascimento dos seus filhos. O dia em que acabou a universidade com as melhores notas do curso! O dia em que comprou o primeiro fato para o seu primeiro emprego a sério! O dia em que emprestou dinheiro ao seu pai! O dia em que a sua esposa o aceitou em casamento! Aliás, isto está muito caótico. Por ordem:
O dia em que emprestou dinheiro ao seu pai!
O dia em que acabou a universidade com as melhores notas do curso!
O dia em que comprou o primeiro fato para o seu primeiro emprego a sério!
O dia em que a sua esposa o aceitou em casamento!
O dia do nascimento dos seus filhos!
O dia em que foi elogiado pelo chefe como o empregado que ultrapassou os objectivos estabelecidos com mais sucesso!
E estas, são as pequenas grandes marcas do Homem que viveu a sua vida regrada, trabalhando arduamente, que foi admnistrando as alegrias e resistindo aos momentos de provação humildemente.
Mas hoje, abateu-se a catástrofe. Acometido na sua dor, tem por debaixo dos aros brilhantes dos seus óculos, olhos que vermelhos de culpa, que tentam esconder o orgulho partido. Vive agora refugiado por detrás do monitor do seu terminal.
O Homem foi apanhado! Ele sabe-o mas admiti-lo é dilacerante. Só em pensar como enfrentará o seu lar já o põe frenético.
Levantando-se sucessivamente para ir mexer nos manipulos da máquina de café, como se pudesse rodar nelas o tempo, e fazer com que tudo tivesse assim solução. O desespero desenrola-se como numa enorme comichão.
Foi apanhado e o pior de tudo não ter é caído nela, mas sim não ter previsto tudo o que sucedeu. É algo que não se admite. Se não se tivesse dado desleixo ele podería ter evitado o erro. O erro, a falha.
Como poderá enfrentar os colegas de trabalho?
Já consegue antever na sala de tecto baixo, os olhares comprimidos que o irão apertar. Olhos que rebentarão de vingança esmagando contra o soalho flutuante.
Chegou atrasado...foi a primeira vez na sua vida. Tantos anos a calcular o trânsito, a calcular um furo no pneu do carro, um esquecimento da mulher, o ter que ir comprar o pão"frequinho" á padaria, o elevador ocupado, a demora do café, os peões que se atravessam com sinal já verde para os automobilistas, a pastilha que se colou ao sapato e se tornou indesejável, as chaves que caíram ao chão, tantos anos e por causa da amante que arranjou, hoje pela primeira vez na sua vida, chegou atrasado ao escritório.
Uma amante...
Como poderá encarar os seus colegas e os seus filhos. O homem estava a tornar-se num falhado igual a qualquer outro.
Ele sempre o soube, uma loucura é o bastante para nos levar para outra loucura e por aí em diante. No final surgirá o caos onde antes reinava a ordem.
Chegará o apocalipse, afinal a Biblia dizia a verdade.

Nas asas da boa disposição

...Disseram-me que sou muito racional
Pelo que fiquei seríamente pensativo...


quinta-feira, fevereiro 05, 2004

Mais uma bola

Eis que surge uma bola vermelha.
Foi tão inesperada como um mil folhas com creme de Tangos de Piazzola.
Ficou ali especada a olhar para mim. Por momentos hesitei em entrar, mas, como parecia mostrar cansaço parei com a brincadeira, não se resolvesse a desaparecer. Fiz-me ao caminho.
Trepando pela enorme escadaria de coral vermelho, não podia deixar de ficar curioso com os peixes que nadavam á sua volta. Desde barbatanas gigantescas em peixes diminutos, a pequenas barbatanas coloridas nas lulas fluorescentes, o certo é que os cavalos marinhos estavam bem treinados e os jokeis pareciam ansiosos para a corrida. Quanto mais subia, degrau a degrau, mais vida coloria os complexos corais.
Era tudo tão bonito que me apeteceu partilhar o que via com mais alguém. Uma dor instalou-se no meu peito, resultando da minha solidão. A dor foi crescendo a medida que tudo se tornava ainda mais precioso e nunca visto. As algas estavam decoradas com as mais delicadas teias de aranhas, extremosas na sua fina arte, que tecida com fios de prata segregada por sereias aos ouvidos dos marinheiros apaixonados, guardavam raios de luar de noites já esquecidas. Estas algas compunham o caminho de arcos sucessivamente verdes, que se movendo suavemente ao sabor do vento expiravam sons perfumados, á semelhança das jovens freiras ainda virgens, esquecidas das suas matinas por amor ao corpo de Cristo.
Do meu peito rebentou então um botão que abriu em flôr de Lotus. Deste botão uma forma foi crescendo até reconhecer nele o filho que hei-de ter. Ele veio acompanhar seu pai neste momento, e terá nesta escada de coral a primeira recordação paterna. Prosseguimos de mão dada.
Já não estavamos muito longe da porta. Ele olhou para mim como se fosse a hora de nos despedirmos. Não proferiu uma palavra da sua boca, que vermelha não se assemelhava á minha. Devia ter herdado aqueles contornos da mãe, e por isso decidi não me esquecer mais dos seus lábios. Um dia saberei quem será a minha mulher graças ao meu fillho. Ele sorriu para mim, abraçou-me e deitou-se de novo no Lotus. A flor desfez-se em fragmentos que eu inspirei instintivamente, tal como meu pai havia feito um dia.
Entrei na bola vermelha mas não me recordo muito bem da porta. De facto, voltei-me para trás e não encontrei qualquer porta. O vermelho era infinito.
Todos corríam em grande azafama. Parecíam todos extremamente ocupados, como que a preparar um festejo. Dirigi-me a um posto turistico e perguntei o que se passava para tanta correria. A rapariga que estava dentro do posto fechou-me o vidro no nariz e por pouco não entalou ali o meu orgulho. Salvou-o um ancião, que curioso pelos meus modos se aproximou e inclinando a barriga na minha direcção, a constatável prova da sua sabedoria, exclamou com voz pomposa, quais trompetas soprando no casamento do Rei:...

continua

Consequências de um roubo

Guardei três ou quatro sorrisos,
O brilho dos teus olhos castanhos,
Que nos meus azuis se fizeram tamanhos,
Guardei-os como se me tivessem sido dados.

Quando de dia caem como cortinados,
De noite como lençois se estendem.
São lençois cada vez mais pesados
Dos sonhos que nas dobras se prendem.

Se eu soubesse traduzir sonhos
Ou mesmo aquelas dobras de lençol
Não me custaria acordar sem sorrisos
E sem esse brilho que me esconde o sol.

quarta-feira, fevereiro 04, 2004

Dias de Sol em tempos invernosos não são meros acasos !

Os musculos retesados em esforço, comprimem-se sob o condençar do céu em tons de cinzento espesso. Segurando-se ás nuvens que larga depois amorratadas para descansar os braços. Adamastor têm ainda os pés e um braço agrilhoado nas profundezas que se perdem para lá do fundo dos oceanos. Foram os homens arrogantes e incautos que o fizeram cativo. Atraiçoram-no com promessas e esperaram que adormecesse para lhe porem aqueles tormentos cingindo-lhe os membros. Mas ontem uma das algemas rompeu-se, e Adamastor reergueu-se, rugindo à procura das suas forças.
Rodou a cabeça. Rodopiou os olhos que iluminaram a madrugada e fez o dia em cinzas só com o ranger dos seus dentes. Ele vai puxando força com mais força que faz com a carne a suar. Assim aquece a terra e as nuvens amarrotadas deixam passar o sol. O Adamastor voltará a caminhar, e preconizo que seja num dia de azul intenso, com o sol flamejando, e o mar cheio de nuvens amarrotadas a boiar. Caminhará sobre as correntes vencidas!
Caminharás Adamastor! Voltaremos a ouvir o canto do Poeta num dia de acaso!

VANITAS VANITATUM , OMNIA VANITAS

QUAM

VITIIS NEMO SINE NASCITUR

terça-feira, fevereiro 03, 2004

Em Coimbra
Elementos pouco abonatórios
Estou a tentar convencer-me de que não deveria pensar em voltar para aquela cidade onde já vivi

As ruas da baixa cheiram a mofo
O trânsito é tão caótico como o de Lisboa
O domingo é um deserto
Proliferam betos e pseudo intelectuais
O Mondego é lindo mas poluído
Há inúmeras pessoas a viver do dinheiro dos estudantes
As pedras das calçadas estão tão boleadas que quando chove anda tudo a escorregar
A tradição já não é o que era
É uma cidade quando deveria ser um país
Os cursos só duram no máximo 5 anos
Há poucos postos de trabalho
Devía ter o mar um pouquinho mais perto
Os Comboios para Coimbra estão cada vez mais caros
Os bares andam a fechar cada vez mais cedo
Cada vez conheço menos caras
Estou lá poucas vezes
As faculdades deveríam ter mais condições, sendo o local de eleição para criar um posto de investigação coordenador a nível nacional
Deveria ter mais instalações para a práctica de desportos
Devería ter mais salas de cinemas, que fossem menos comerciais
Deveríam celebrar o dia da poesia da mesma forma que promovem os encontros de fotografia
Devería ter mais paredes para escrever criticas politicas e etc
O novo recinto da queima das fitas está muito mal concebido
Devíam institucionalizar as tascas e fazer respeitar os seus donos, assim como o espaço de virtude em que se poderíam transformar
É demasiadamente democrática para a democracia em que vivemos
Há sempre muitos bebados pelas ruas
Os centros comerciais são muito pequenos
É só estudantalha com novas ideias, extravagantes
As noites demoram sempre mais tempo a passar
É uma cidade pequena
Deixa sempre muitas saudades
E por aí a fora...

Impulse

Já não me recordo há quanto tempo não recebia uma flor!
Pois em Coimbra, recebi uma, e logo um cravo que me avermelhou a alma.
Que bom poder relembrar este pequeno prazer sob a forma de uma grande surpresa!
Acho que se devia adoptar o habito dos catalães, que no dia de S. Jordi leva as mulheres a oferecerem flores aos homens, enquanto que estes lhes oferecem livros. O resultado poderia ser o de eventualmente, descobrir a nossa população feminina mais culta, e a falange masculina poderia, quem sabe, ganhar um pouco mais de sensibilidade (talvez deixassem de olhar para as flores como aquelas coisas que se oferecem com achaques de romantismo, no dia dos namorados, ou aquelas coisas onde lhes mijamos quando estamos com os copos. Aquelas coisas, seres vivos.)
Além disso, para os que gostam de pensar nestas coisas através das vertentes económicas, poder-se-ía verificar um crescimento das transações de flores, estimulando o pequeno negócio.Ao ponto de se tornar tão lucrativo que as floristas se espalharíam pelas ruas de Lisboa á semelhança do que acontece em Amsterdão, não deixando de ter um apelo turistico, e portanto, com entrada de divisas estrangeiras.
E, finalmente, gostaria de imaginar os grandes machões lusitanos, que na maioria dos casos se verifica serem adultos imaturos, a ficarem comovidos com uma delicada flor sem ter receio de mostrar o seu sentimentalismo. Seria uma boa melhoria.
Mas esses machões talvez tenham razão, eu sou um lamechas sentimentalista, e os livros de poesia só podem ser escritos por homosexuais...perdão!..Panascas...porque esses têm a mania de ser sensiveis, e toda a gente sabe que a comunidade gay em Barcelona é bastante extensa.
Enfim, traumas de infância para quem teve uma adolescência acelarada e desordenada, e explica a sua instabilidade por esta ordem cronológica.


segunda-feira, fevereiro 02, 2004

Passa Tempo

Para quem não gosta de ler aqui tem um divertimento viciante.
Gostaria porém de trocar o pinguim por outro animal. Um ditador ou um tipo da stand up comedy sem piada nenhuma.

http://amok.maxxmok.de/Pinguin.swf